sábado, 25 de junho de 2011

Crime de Violação previsto e punido no art. 164.º do Código Penal Português

No crime de violação previsto no art.º 164.º do Código Penal está em causa a liberdade sexual, a auto-conformação da vida e prática sexuais da pessoa, afrontada pelo constrangimento daquela a suportar ou praticar os actos descritos no n.º 1 e 2 do mesmo artigo.

A liberdade sexual decorre do direito do indivíduo a dispor do seu corpo, parte integrante da sua autonomia pessoal, sendo um elemento fundamental do direito à intimidade e vida privada.




Ao longo dos tempos os crimes de natureza sexual foram sofrendo profundas alterações ao nível conceitual, interesses a proteger e a própria moldura da pena. Actualmente, trata-se de um crime contra a pessoa e não, como no passado, contra a moralidade sexual. A protecção da liberdade e autodeterminação sexual surge com a Revisão de 1995.
No que respeita ao crime de violação, o legislador sempre integrou como elemento do tipo – o uso da violência – já previa o art. 394.º do CP, de 1852. Neste normativo, preenchia-se o tipo desde que verificada a cópula ilícita por «via de meios fraudulentos tendentes a suspender o uso dos sentidos».
O n.º 1 do art. 201.º do CP de 1982, veio a prever «Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos».
Em 95, o CP veio a dar nova redacção ao crime de violação, estabelecendo « Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, ou, ainda, pelos mesmos meios, a constranger a tê-la com terceiro, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos».
Acrescentando o seu n.º 2 que «Com a mesma pena é punido quem, nos termos previstos no número anterior, tiver coito anal com outra pessoa, ou a constranger a tê-lo com terceiro».
Sem prejuízo da alteração prevista na L n.º 65/98, a actual redacção do crime de violação prevista na L 59/2007, de 4 de Setembro, veio a estabelecer no seu n.º1 que: «Quem, por meio de violência, ameaça grave,
ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos».
As sucessivas alterações denotam que tem cabido à jurisprudência o entendimento a ter sobre o conceito de violência neste tipo de crime.
Na vigência do CP de 1888, o STJ defendia que o elemento - violência - deveria estar preenchido sempre que o acto fosse praticado contra ou sem a vontade da vítima. (Neste sentido o Ac. do STJ de 07/10/1064. Mas, por exemplo, o Ac. da Relação de Lisboa, de 27/03/68, defendeu que o elemento do tipo – violência -  teria que consubstanciar uma acção do agente.)
A limitação do conceito de violência é fundamental, pois a diferença entre a equiparação da violência à ausência de vontade da vítima ou à oposição e a equiparação a violência à existência de acção ou comportamento físico traduzem em termos práticos na absolvição ou não do arguido. Em extremo, leve a uma situação no mínimo caricata – em caso idêntico ter o tribunal decisões diferentes – condenar/absolver.
Não tem sido pacífica a limitação do conceito de violência neste tipo de crimes, na doutrina.
Segundo o Professor Figueiredo Dias, «não basta nunca à integração do tipo objectivo de ilícito (…) que o agente tenha constrangido a vítima a sofrer ou a praticar, acto de violação, - isto é, que este acto tenha tido lugar sem ou contra a vontade da vítima».
Defende este Professor que «o meio típico de coacção é pois, antes de tudo, a violência, existindo esta quando se aplica a força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada». Nas Actas da Comissão Revisora, na discussão do tipo de crime de coacção sexual, expressamente refere que «não basta a simples falta de consentimento, sendo preciso, por exemplo, a violência ou ameaça grave».
Já o Juiz Sénio Alves, defende «na falta de referência expressa do artigo 164.º, n.º 1, à violência física, parece ser de concluir que tanto a violência física como a moral, se determinaram a cópula, são elementos constitutivos do tipo de violação. É que a violência moral (consistente, v.g., no perigo de um mal maior para a vítima ou sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes á determinação do que é “grave” e à respectiva prova), ela ficaria impune. (…) A “grave ameaça” é algo diferente, de um ponto de vista qualitativo. Consiste, penso, no colocar a vítima perante a iminência da verificação da violência (física ou moral) provocando-lhe um tal temor que a determine à cópula».
Por outro lado, o Juiz Mouraz Lopes considera que com a reforma de 2007 «o legislador optou por criminalizar, nos casos de coação sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade».
Ao contrário da legislação portuguesa, a espanhola prevê expressamente no que se refere a crimes de natureza sexual, no art. 179.º - o crime de abuso sexual para os casos em que não há violência ou intimidação e sem que haja consentimento, basta a realização de actos que atentem contra a liberdade sexual de outra pessoa.
Na mesma lógica está a legislação italiana, que previu como conduta penalmente relevante – artigo 609 primeiro parágrafo «o induzir alguém a cometer ou suportar acto sexual» como elemento do tipo de crime «às condutas tipificadoras de práticas de actos sexuais abusivos».
Tendo sido já referenciado que o legislador não expressou a noção de “violência” para este tipo de crime, temos verificado que a jurisprudência, ainda que tenha uma tendência maioritária de entender que existia sempre violação quando o acto tivesse sido praticado contra ou sem a vontade do ofendido ou ofendida, segue-se alguns exemplos de decisões em sentido contrário, nomeadamente, Ac. TRC de 17/02/93, Ac. TRP de 06/03/91.
Sobre esta matéria, o Ac. STJ de 25/11/92, chegou a suportar a decisão que o vinculou, no seguinte entendimento - a violência no crime de violação «tem de se traduzir na prática de actos que tenham como resultado o constranger a vítima a suportar uma conduta que não quer, numa construção da figura em que o constrangimento corresponde a um ter de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal.»
Este entendimento foi recentemente afirmado no Ac. do TRP de 13/04/2011, estando em causa a violação ou não de uma mulher pelo médico que a seguia em consulta na especialidade de psiquiatria. O referido Acórdão prescreve que «A violência exigida pelo artº 164º tem de traduzir-se na prática de actos de utilização de força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) contra a pessoa da vítima de modo a constrangê-la a não adoptar qualquer atitude de resistência às intenções do agente ou a vencer a resistência já oferecida. O simples desrespeito pela vontade da ofendida não pode ser qualificado de violência».
Esta última afirmação, em resultado da interpretação dada pelo Tribunal, implica, salvo melhor opinião, que o tipo de crime de violação não inclui enquanto elemento do tipo – o não consentimento da vítima. Veja-se: se o simples desrespeito pela vontade da vítima for equiparável ao não consentimento, temos que o não consentimento, não enquadra no tipo de crime de natureza sexual. A ser assim, não deveria o tribunal, de seguida, entender que «será inútil aferir da ausência de vontade ou de consentimento da ofendida, na medida em que o crime de violação previsto no nº 1 do artº 164º do C.P. é um crime de execução vinculada, i. e., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir». Isto é, como não houve violência, não carece a verificação da falta ou não do consentimento da ofendida. Se, da prova, se tivesse retirado, acto de violência, já o consentimento ou não da vítima era elemento do tipo?
Por outro lado, o conceito de violência neste tipo de crime, enquanto utilização de força física, leva a uma outra questão: a questão da graduação da força que está intimamente relacionada ao tipo de vítima. Por exemplo: um empurrão num adulto, num homem, numa mulher, ou até mesmo num doente fragilizado fisicamente, impõe necessariamente resultados/danos diferentes.
Tal como vem expresso em Declaração de Voto, no Acórdão identificado em último «o conceito de violência ínsito a uma violação conhece graduações que vão até à brutalidade física e crueldade, mas que podem partir de um ponto em que - o ofensor usa apenas a força necessária para atingir o objectivo da conquista sexual e controlar a vítima».
 Fica o registo apenas – das alterações sucessivas na redacção dada aos crimes de natureza sexual, ficam as mesmas dificuldades do passado - em limitar um conceito indeterminado – violência – que faz parte do tipo de crime de violação. Bem andou, a legislação espanhola e a italiana.

Ver o Ac. TRP, de 13/04/2011.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Key West, Florida

Cayo Hueso, baptizada por Ponce de Leon em homenagem às ossadas dos Índios Calusa.
A aproximadamente 150 quilómetros de Cuba, as ilhas Key sob a forma de cordão estão envolvidas por barreiras de corais e no estremo sul da Florida a estrada estende-se ao longo do mar, interrompendo-o.
 – Chegada a Key West!

Reza a história que até ao século XVIII, foi refúgio de piratas. Quando se torna território americano no início do século XIX, passou a ser área reservada ao salvamento de navios naufragados – wrecking. Com as melhorias das condições de navegação, o negócio que gerou fortunas entrou em declínio, obrigando a ilha a procurar outra forma de sustento. É na plantação de tabaco que a população vê futuro da economia, de tal forma que no Século XX, Key West é um dos maiores centros de fabrico de charutos. A par do fabrico de charutos, a cidade desenvolvia actividades políticas – ainda Cuba era território espanhol.
Em 1912 termina a construção da Overseas Railroad – 160 quilómetros que levavam a qualquer parte das ilhas. É possível ver as pontes que avançam pelo mar, situadas em paralelo à estrada.
Em 1928, a população falida fazia antever a grande recessão económica de 1929. É nessa altura que Key West passa a ser porto de abrigo de artistas e escritores. (Nesta cidade pitoresca viveram alguns nomes: John Dos Passos, Hemingway, Elizabeth Bishop, entre outros).
Hemingway chamou-lhe a “Saint-Tropez dos pobres”. Recuperada da crise, a cidade continua a mostrar para quem lá passa as vivendas de estilo colonial espanhol, com varandas próprias para abraçar o clima húmido e quente. O museu dedicado ao escritor – Hemingway (Nobel da Literatura em 1954) é exemplo do estilo arquitectónico espanhol e dos bons ventos de outrora. A par destas, outras se seguem edificando esta magnífica cidade que hoje, ao contrário do baptismo do autor de “O Velho e o Mar”, é uma das mais caras e superlotas estâncias turísticas dos Estados Unidos.
Com clima propício à boémia Sunset Celebration é o exemplo, - celebração diária do pôr-do-sol, (várias pessoas se juntam na Mallory Square, e os artistas apresentam diversos espectáculos) é no princípio do mês de Julho, nas festas com o nome do escritor que ali se fixou nos finais dos anos vinte, - Dias de Hemingway - que a cidade recebe forasteiros que procuram actividades desportivas e culturais, criando um ambiente ímpar. Durante dez dias a oferta passa por conferências de escritores, sessões de poesia, concertos, regatas, torneio de golfe. A imitação das touradas de Pamplona não tira o lugar ao evento mais insólito da cidade – o concurso para a escolha do homem mais parecido com Hemingway. O vencedor, recebe o busto em bronze do escritor que substituiu sem rodeios Ponce de Leon, descobridor das ilhas no estremo sul da Florida.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Internamento Compulsivo - Lei da Saúde Mental

A Lei n°36/98, de 24 de Julho - Lei da Saúde Mental, tem a finalidade de regular os princípios gerais dos cuidados a ter no âmbito da saúde mental e nesse sentido estabelece as regras que se devem observar em situações do internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica.

                                          Antigo Hospital da Misericórdia, net

 Prevê o n.º 1 do art. 12.º do aludido diploma que o portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento médico adequado.

Requisito essencial do internamento compulsivo é a recusa de submissão do portador de anomalia psíquica ao necessário tratamento médico.
 
Preceitua, por outro, o n.º 2 do art. 8° do referido diploma que o internamento compulsivo só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento e finda logo que cessarem os fundamentos que lhe deram causa.

Desta norma resulta que o internamento compulsivo, enquanto restrição a direitos, liberdades e garantias fundamentais, se encontra submetido a um estrito princípio de necessidade, - art. 18.º° da Constituição da República Portuguesa.

A consagração deste princípio fundamental está previsto no n.º 1 do art. 8.º. Por outro lado, o internamento compulsivo deve obedecer também ao princípio da proporcionalidade, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal.

Em termos práticos, temos que em situações concretas de perigo podem requerer o tratamento compulsivo de pessoa com anomalia psíquica, as autoridades de saúde pública e o Ministério Público, nos termos do art. 13.º do mesmo diploma. A legitimidade para requerer o internamento nestas condições não se restringe apenas as entidades anteriormente indicadas. Todos os indivíduos com a qualidade de representantes legais do portador de anomalia, os que têm o poder jurídico de interditar. Em determinadas situações (no caso de se verificarem os pressupostos contidos no n.º 1 do art. 12.º no decurso de um internamento voluntário) tem legitimidade o Director Clínico da Estabelecimento de Saúde.  

Assim, a título de exemplo, um elemento afecto às autoridades de saúde pública – delegado de saúde, face a solicitação de um membro da família ou mesmo um vizinho do indivíduo com perturbações, emite um mandado de condução para avaliação da necessidade de tratamento compulsivo.

Na sequência dos direitos do internado, nomeadamente o de estar presente aos actos processuais que lhe digam directamente respeito e ser assistido por defensor, as decisões sobre a privação de liberdade, por parte do juiz obriga que o internado seja informado/notificado dos seus direitos e deveres.


                                                 
A sessão conjunta é levada ao conhecimento de todos os intervenientes do processo. O juiz notifica: o internando, o defensor, o requerente e o Ministério Público.

No âmbito da realização de diligências, o juiz pode determinar novas avaliações psiquiátricas do internando para avaliar da necessidade do internamento compulsivo (realização de sessão conjunta de prova).
Nos termos do art. 33.º pode o internamento ser substituído por tratamento em regime de ambulatório, permitindo o tratamento do doente em liberdade.

Esta faculdade depende da aceitação expressa, isto é, obedecer à forma escrita por parte do internado e comunicada ao Tribunal competente.

Em caso de incumprimento do tratamento por parte do portador de anomalia psíquica, o medico assistente deverá comunicar de imediato ao Tribunal, que decide pelo internamento do indivíduo.

O regime é muito rigoroso na medida em que o internamento compulsivo é uma medida que restringe a liberdade do indivíduo, para que este seja submetido a tratamento.

Resulta do n.º 1 do art. 33° da Lei de Saúde Mental, nomeadamente da sua parte final, que, não obstante o internando passe do regime de tratamento em internamento – fechado, para o tratamento em ambulatório - aberto, mas sempre compulsivo (obrigatório), a sua situação deverá segue o regime previsto nos artºs. 34° e 35° do mesmo diploma.


O rigor do regime é notório quando o legislador estipula, que a situação do internando pode ser objecto de revisão, nos termos do art. 35.º da LSM, sem prejuízo de ser obrigatória quando decorridos dois meses sobre o início do internamento ou sobre a decisão em manter o internamento, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Assim, sempre que da situação concreta resulte para o internando o tratamento compulsivo em regime de ambulatório, significa que os pressupostos que lhe deram origem se mantêm, logo não poderá o Tribunal arquivar os autos, sob pena de o Tribunal deixar de intervir no respectivo procedimento, consequentemente, não estará a cumprir o dever de “revisão da situação do internado” a que está obrigado, ficando comprometido o controlo judicial da situação de restrição da liberdade, por decisão judicial.



sábado, 4 de junho de 2011

Igualdade do género – Contratos de Seguros


O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu no sentido de proibir a discriminação sexual nos contratos de seguros.
O descontentamento no sector face a esta decisão do Tribunal foi justificado no sentido de que seria a própria diferença de género um critério de justiça. No entender das seguradoras, a desigualdade de preços tem por base uma avaliação dos riscos, -  justa.
A Associação Portuguesa de Seguros em defesa as políticas estabelecidas de riscos assumiu a mesma posição do Comité Europeu de Seguros. Ou seja, a diferença de preços têm subjacente a avaliação de risco, enquanto o melhor critério. (Por exemplo, as estatísticas têm revelado que as mulheres mais jovens tem menos acidentes de automóvel).
A decisão do Tribunal da União Europeia veio assim, determinar que o preço aplicável é igual independentemente de ser homem ou mulher.
Ao cumprir-se a decisão do Tribunal, haverá a convergência de preços, que levará a aplicação de preços mais elevados. Ora, mais uma vez o consumidor será o prejudicado.
Após um período de transição, estas novas regras estarão em vigor na sua totalidade em 2013. Viviane Reding (Comissária da EU para a justiça) entende que esta decisão do Tribunal consubstancia um grande passo no âmbito do direito fundamental da igualdade do género.
Junho de 2011