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domingo, 21 de outubro de 2012

Exumação de cadáver. Ação de investigação de paternidade

                              MARK ROTHKO, 1969, Sem título

  Num ação de investigação de paternidade que correu em, 2009, no Tribunal de Murça, segui recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Nessa ação estava em causa, a alteração do assento de nascimento e o reconhecimento do pai biológico, altura já, cadáver.
Face a situação de fato e a necessidade da realização de testes de ADN, era imprescindível a exumação de cadáver, em que os filhos eram opositores. O Tribunal da Relação do Porto decidiu em sentido contrário, sendo que a ação foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Esta última instância entendeu que «em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobre a "paz social" daquele a quem o mero decurso do tempo poderia assegurar impunidade, em detrimento de interesses dignos da maior proteção, como seja o de um filho poder a todo o tempo investigar a sua paternidade (…).
Assim, o direito ao conhecimento da ascendência biológica, deve ser considerado um direito de personalidade e, como tal, possível de ser exercido em vida do pretenso progenitor e continuado se durante a ação morrer, correndo a Acão contra os seus herdeiros, por se tratar de um direito personalíssimo, imprescritível, do filho investigante».
E acrescenta «A imprescritibilidade das ações de investigação da paternidade justifica-se, pois, pela defesa do interesse legítimo de "procura do vínculo omisso do ascendente biológico, sendo este, um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor».
Nestas condições, o - direito à identidade pessoal, e o - direito à integridade pessoa, ganharam uma dimensão nova que não pode ser desvalorizada. Devemos acrescentar, também, um novo direito fundamental implicado na questão:
- o direito ao desenvolvimento da personalidade, introduzido pela revisão constitucional de 1997;
- um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de ação cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais.
«É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua localização no sistema de parentesco».
Assim, será possível, face a oposição dos familiares do falecido a realização de exame ao ADN, com o recurso à exumação do cadáver do falecido para recolha de tecidos?
De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei nº 411/98, de 30 de Dezembro a exumação «consiste na abertura de sepultura, local de consumpção aeróbia ou caixão de metal onde se encontra inumado o cadáver».
Por sua vez, do art. 21.º, n.º 1 do citado diploma legal resulta que «após a inumação é proibido abrir qualquer sepultura ou local de consumpção aeróbia antes de decorridos três anos, salvo em cumprimento de mandado da autoridade judiciária».
Por outro lado, o art. 1801.º do Código Civil determina que «nas ações relativas à filiação são admitidas como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados».
Do preceito legal citado resulta como evidente que a realização de exames ao sangue, ou seja de exames hematológicos ou cientificamente comprovados, como seja a realização de exames de ADN com a necessária exumação do cadáver do pretenso pai para recolha de tecidos, podem ser realizados para se determinar a filiação biológica.
 Contudo, a admissibilidade da realização do exame pericial está dependente do modo como o autor estrutura a ação de investigação da paternidade.
Estando em causa a filiação biológica e a recusa dos descendentes diretos do falecido a submissão de testes  de ADN, o tribunal deferiu a realização do exame pericial de   exumação para recolha de vestígios de ADN no cadáver do falecido pretenso pai.
 O Supremo Tribunal de Justiça, quando está perante o confronte entre direitos em conflito, entende que se deve sacrificar o direito ao respeito que é devido ao cadáver da pessoa humana, em benefício do direito prevalecente à identidade pessoal do investigante.
Assim, foi revogada a decisão da Relação do Porto que considerou legitima a oposição à exumação.
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça concluiu:
1.    Nas ações de filiação, sendo a causa de pedir a filiação biológica, os exames de sangue admitidos como meio de prova à luz do art. 1801.º do CC, designadamente os  - testes de ADN, são os que com maior fiabilidade próxima da certeza tornam possível estabelecer que determinado indivíduo procede biologicamente de outro.
2.    Sendo o pretenso pai já cadáver a realização de tais exames faz-se com recurso à respetiva exumação.
3.    Os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular (art. 71.º, n.º 1 do CC), designadamente os interesses próprios afirmados ou potenciados em vida do defunto. Visando-se a proteção das pessoas falecidas contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à respetiva personalidade, física ou moral, que exista em vida e permaneça após a morte.
4.    Os direitos referidos em III respeitam aos interesses dessas pessoas em vida e não ao cadáver ou às pessoas a quem a lei atribui legitimidade para os exercer.
5.    O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado no art. 26.º, n.º 1, da CRP, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, consagrando-se um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento deste.
6.    Na colisão de direitos constitucionalmente protegidos, como os referidos em III e V deve privilegiar-se o direito à identidade pessoal.