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quinta-feira, 28 de julho de 2011

O presépio de Portugal – Piódão.

Uma das aldeias que constituem o concelho de Arganil, situa-se em plena Serra do Açor, não deixando indifentes às gentes que procuram e vageam por entre a Serra da Estrela e a Serra da Lousã – Arganil.
A Serra xistenta do Açor, guarda uma das aldeias mais antigas. Uma jóia histórica que na sua origem estavam os pastores lusitanos.
Um local que bem poderia servir de cenário a Alves Redol, no seu livro “Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos”, 1962,


«(…) Aldeia de pássaros que falam...
Pássaros não escasseiam pelo Freixial; e alguns passarões são bem de ver, como em qualquer terruco habitado por homens.
A aldeia está envolvida por arvoredo, onde a passarada se pode acoitar e fazer ninho, gozando ainda a liberdade de silvedos e moitas, além da frescura e sombra das veredas e das margens do Trancão, um rio assombradiço, no Inverno, mas parrana e apaulado quando o calor aperta.
Aqui convivem freixos, carvalhiços e pinheiros, umas tantas faias, com eucaliptos e oliveiras em barda. Mas também aparecem sobreiros, alguns até de forma caprichosa e robusta, que não percebo bem como medram numa terra de tamanha frescura. Todos fazem moldura ao pequeno burgo, quase rastejante, ante sobranceria da serra de Ribas, logo desenvolvida por uma linha de ondulação serena, vinda do poente e caminhando para o sul, em cuja roseta se levanta o mamilo do monte do Picoto, mirante de muitas terras sossegadas, e também de Lisboa, a grande loba, para onde de madrugada partem os mimos das hortas.
Mimalha é a aldeia para quem busca sossego e ares lavados. Por isso não faltam forasteiros quando o vinho novo espreita às bicas, ou veraneantes enfermiços mal o Sol africano se deita na Ibéria com vontade de nos amolentar ainda mais a vil pachorra. A pequena invasão dá jeito às lojas, que sempre acrescentam algum negócio, embora com sobrecarga de calotes graúdos, às pensões aos que alugam casas à época aos rapazes da terra, uma vez que para estes não faltam meninas, da cidade e criadas de serviço lesto para namoriscar.
Às tantas, sussurra-se um escandalozito, logo batido e rebatido nas muitas pedras do rio, que, se bem lava a roupa encardida do suor, também põe alguma mancha nas reputações. Ao cabo tudo se desfaz, como as bolhas do sabão bem esfregado.
Irmão gémeo de qualquer burgo miúdo, o Freixial conta com dois ou três bêbedos consagrados, de quem se contam histórias pícaras, e que são, quase sempre, a santa voz da verdade quando perdem o medo às conveniências e à lei. Como a água da aldeia é pouca e má, por culpa de quem manda, o vinho arranja galões de única bebida sadia. Talvez por isso mesmo alguns forasteiros deitem foguetes à porta da taberna do Ti Zé Mendes, dos poucos a perceber quanto valem as pingas, se as tratam com carinho.
A época das vindimas torna-se, de resto, uma das raras em que se vislumbra ainda a vida passada dum terruço campónio, de tal modo a gente burguesa se deitou a comprar vinhas e pinheirais para lhes implantar casinholos de mau gosto pinoca, nesse estilo fatal de varanda e beirado, a quem nem já falta o horrível marmorite colorido. E a dignidade sóbria e branca da aldeia espatifa-se com a guizalhada destes citadinos que querem à viva força tomar-se notados.
(…) O ar sadio é que limpa tudo - desde as fraquezas do peito às cordas desafinadas dos nervos cansados.
Fora as hortas, à beira do Trancão, ou algum vinhedo ou olival de senhoria, o agro dá agora, trabalho ralo, e mais parece viver no canto saudoso de algum boieiro que me passa à porta numa melopeia bonita com o seu que de árabe, como não ouvi, outra em terra portuguesa. Cheixa a milagre a mantença desta solfa remota num meio tão abastardado; também o trilho das aves se não perdeu neste ambiente remansado - e calmo, onde famílias inteiras herdam nomes de pássaros. Como já sabemos, o meu amigo Constantino é Cuco - e Cantigas também.
Todo o povo gosta dele; "é um homem pequeno", diz a gente quando o vê passar na lida; e conta-se, entre sorrisos e olhares (da Portela, onde moramos os dois, ao Alto, que fica junto à estrada, ou ao Rossio e às Ermidas, cá em baixo, quando se busca a saída para Bucelas), certa conversa a que o Constantino deu andamento pronto quando numa tarde andava ele a dar volta aos seus ninhos, contando-os a todos, embora sem lhes bulir.

Era um ano farto de passarada. Dizia ele, na escola, com urna ponta de imaginação um tanto larga, que tinha de seu quase cinquenta ninhos.

Cinquenta ou menos de metade não interessa apurar. A verdade é que metera para o lado do arvoredo do Trancão, a mirar bem as folhagens e os troncos, sozinho, corno um lavrador que gosta de se rever no que lhe pertence. Quando se certificou de que os ninhos continuavam no seu lugar, pensou consigo: "Vou até à horta do Periquito, passo-me para a outra banda do rio e de lá grito pelo Manei... Depois vai um grande banho na poça grande da nora ... "
No entusiasmo da ideia, pôs-se a cantarolar. Uma cantiga qualquer sem jeito. A frescura das águas do Trancão vinha até ele, e já se lhe remocava o corpo todo com o gozo duma banhoca em pêlo.

Vai daí, mesmo numa curva do atalho, à sombra do canavial e dum freixo antigo, deu de caras com um pequeno grupo seu conhecido - dois homens afogueados com o trabalho da horta, a tasquinharem uns torresmos com pão, e o filhote de um deles, deitado de borco, a seguir um carreiro de formigas no seu vaivém apressado. Prendeu-se-lhe a cantiga na boca, fez um sorriso, e encolheu os ombros, um tanto ruborizado.
-Vai aí um ano de pássaros... -Mas achou por bem não propalar quantos ninhos considerava seus (…)»


Povoação medieval – designadas por Casas de Piódão, em meados do sec. XIII, repousadas em terra de Chãs de Égua. Mais tarde, neste chão foi construído o mosteiro Cister - Abadia da Ordem de São Bernardo (hoje não existem vestígios) obrigando a aldeia a deslocar-se para o local, que hoje nos recebe.
Falando em receber, este pequeníssimo aglomerado de pessoas que ali residem, tem o dom nato de saber abraçar o forasteiro que ali chega estremecido de medo, que aquela estrada digna de respeito, faz sentir, enquanto descemos ou subimos.
Descida a serra, que diga-se a verdade… não é assim tão alta, estaciona-se junto a igreja, onde já se encontram  os autocarros das escursões e outros automoveis.

Olhar para o alto seguindo o caminho que se alinha por entre o arvoredo, em forma de serpente, observa-se mais um autocarro que lentamente faz a descida. Penso, que tive sorte. Já estou cá em baixo!
As moradoras, senhoras de idade avançada, com um chapéu na cabeça (o sol estava forte) aproximam-se e em minutos contam a história da aldeia se que confunde com as delas.
Subimos os degraus de xisto irregulares, que em corredores estreitos limitam as casas também estas, de xisto. Os becos estreitos a par destes corredores, construiram um aglomerado de casa distribuídas em anfiteatro.
No topo da aldeia os nossos olhos sobrevoam os telhados, - de ardósia, que inclinados vão em direcção das pequenas janelas de cor azul forte.

Já passava em muito a hora de almoço, quando nos sentamos a mesa para almoçar. A toalha de algodão branca e vermelha aos quadradinhos, sobre a mesa de madeira diante uma cristaleira pequena em largura mas grande em comprimento, fez daquele retiro, o canto da cozinha da minha avó, numa aldeia nortanha, do século passado.
Já, para não falar, das tiras de plástico que protegia a porta, abanando consoante a lufada de ar que ia entrado.

Em pouco tempo, estamos a provar a “Chanfana” acompanhada pelo relato da sua própria história. (Hoje, existe uma estalagem).

Almoçamos numa casa particular. A senhora de idade avançada ia servindo almoços aos forasteiros. Um, dois, de cada vez. Adorável!

A conversa foi longa e a agressividade do sol de Agosto, fez adiar o passeio a pé para o final de tarde.

Ao entardecer, percorremos a pé  o que Piodão podia oferecer: a igreja matriz, toda branca e que contrasta com o negro das casas de xisto; a Igreja de São Pedro; a Capela das Almas; a Fonte dos Algares e a Eira.

Não tivemos a oportunidade de ver as festas que por lá se realizam. Mas, as vezes tem melhor sabor, ouvir as histórias sob a forma de um conto. Essencialmente, porque é contado  por alguém que nada de melhor teve!

As história são contadas de forma mágica. O pôr-do-sol, reforça a fantasia de trazer o passado ao presente. E nós, ouvintes, ali ficamos paralisados, sem hora para regresso.

E, é quando o sol se esconde que decidimos regressar, quando a lojinha de artesanato ainda estava com a porta meia aberta.

Entrei, e entre mais uns dedos de conversa comprei meia dúzia de miniatura das casas de Poidão.

Os passeios de bicicleta, a pé pelos arredores ficaram para um outro dia.

Tal como Constantino guardador de Vacas e de Sonhos guardei um sonho… regressar um fim-de-semana sem que nada se tenha mudado.

Para quem queira acompanhar alguma das suas festas religiosar, ir:
Dia 29 de Junho – Festa de São Pedro, no dia 29 de Junho;
 Terceiro domingo do mês de Agosto – Festa de N.a Sr.a da Conceição,
8 de Outubro – Festa a festa do Sagrado Coração, também em Agosto, e a de N.a Sr.a do Bom Parto
A Aldeia de Piodão foi classificada com imóvel de Interesse Público, nos finais de 87.