sexta-feira, 22 de julho de 2011

Acesso e Ingresso no Ensino Superior - 2011


A Portaria n.º 258/2011, de 14 de Julho vem aprovar o Regulamento do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 2011 -2012.

A análise da presente Portaria que entrou em vigor no dia 15 de Julho, exige uma especial atenção ao DL n.º 296-A/98, de 25 de Setembro com as sucessivas alterações.
Sendo o cálculo da nota de candidatura, um pressuposto fundamental na escolha do curso passo a transcrever algumas regras que permitam facilitar o respectivo cálculo da média final de candidatura, de forma sistemática, e segundo os preceitos tidos na Portaria supra identificada. Quanto ao descrito, no que respeita a colocação, apenas faço referência à primeira fase de colocação.


No capítulo III da referida Portaria, o art. 34.º dispõe que a nota de candidatura apresenta-se numa escala entre 0 a 200.
O valor numérico que corresponderá a nota de candidatura resulta da utilização de uma fórmula própria. O valor final que resultará da fórmula é arredondado às décimas (sendo que uma décima o valor inferior a 0.05).

As formulas são diversas e variam de acordo com o número de provas de ingresso exigidas e se o curso exige ou não pré-requisitos de seriação ou selecção.

Assim, existem quatro tipo de fórmulas:

          I -  FORMULAS

1. Fórmulas para cursos que não se exige pré-requisitos de selecção:
a)    É exigido apenas uma prova de ingresso

S × ps + P × pp 
           b) Se forem exigidas duas provas de ingresso
S × ps + P1 × pp1 + P2 × pp2


                        em que:

S = classificação do ensino secundário, fixada nos termos do artigo 35.º;
ps = peso atribuído pelo estabelecimento de ensino superior à classificação do ensino secundário;
P, P1 e P2 = classificações, na escala inteira de 0 a 200, dos exames nacionais do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas;
pp, pp1 e pp2 = pesos atribuídos pelo estabelecimento de ensino superior às classificações das provas de ingresso.

          2. Fórmula para cursos que exigem pré-requisitos de selecção:
                 (os cálculos intermédios não são arredondados)

                  a) Se for exigida uma prova de ingresso:

S × ps + P × pp + R × pr

                 b) Se forem exigidas duas provas de ingresso:

                                 S × ps + P1 × pp1 + P2 × pp2 + R × pr
              em que:

              R = classificação atribuída ao pré -requisito;
              pr = peso atribuído pelo estabelecimento de ensino superior à classificação do pré  requisito.


            II - SIGNIFICADO DO (S)

            A Incógnita (S) diferencia-se consoante a modalidade de ensino sendo feita a conversão para a escala de (o – 200).

            1. Cursos organizados num só ciclo de três anos – O cálculo é efectuado nos termos da lei sem arredondamentos, isto é até às décimas e convertida para a escala de 0 a 200.

            2. Cursos de ensino secundário já extintos, anteriores ao Decreto -Lei n.º 289/89 -  O (S) S tem o valor da classificação final do ensino secundário atribuída nos termos das normas legais aplicáveis a cada caso, convertida para a escala de 0 a 200.


           3.  Para os cursos do ensino secundário organizados em dois ciclos, de dois e um anos -  O (S)  é calculado através da aplicação da seguinte fórmula:

                                    (0,6 × Sa) + (0,4 × Sb) × 10

                 em que:

                Sa = classificação final dos 10.º + 11.º anos de escolaridade ou 1.º +
                         2.º anos, conforme o caso, fixada nos termos da lei;
                Sb = classificação final do 12.º ano de escolaridade, fixada nos termos da lei.

          4. Para os cursos de ensino secundário não portugueses legalmente equivalentes ao curso do ensino secundário português, bem como para os cursos a que se refere a parte final do artigo 41.º do Decreto -Lei n.º 296 -A/98 - O (S) tem o valor atribuído nos termos das normas que os regulam convertida para a escala de 0 a 200, nos termos das regras fixadas por despacho do Ministro da Educação e Ciência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 296 -A/98.

5. Os candidatos às vagas do contingente especial – emigrantes portugueses – com o 12.º ano de escolaridade portuguesa, mas sem o 10.º e 11.º ano ensino português -  O (Sa) é igual ao (Sb)

6. Alunos em que o diploma do ensino secundário não tenha a classificação final - A classificação é atribuída nos termos da Deliberação n.º 1650/2008, de 13 de Junho da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior.

          III – Seriação dos candidatos

1. A seriação dos candidatos tem como referencial o par estabelecimento/curso, segundo ordem decrescente das respectivas notas de candidatura.
2. Em caso de empate, são aplicáveis consoante as situações, as seguintes classificações:

                       a) (P × pp) ou (P1 × pp1) + (P2 × pp2), conforme o caso;
                       b) S ou Sb;
                       c) Se aplicável, S ou Sa.


            IV - Colocação

          A colocação organiza-se em três fases.

1. A primeira fase, a colocação segue as seguintes regras:     

“a) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para estudantes portadores de deficiência física ou sensorial nas respectivas vagas;
b) Adição das vagas sobrantes da operação a que se refere a alínea a) às vagas do contingente geral;
c) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para a Região Autónoma dos Açores nas vagas da Universidade dos Açores ao abrigo do disposto no artigo 15.º;
d) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para a Região Autónoma dos Açores não colocados na operação descrita na alínea c) nas respectivas vagas;
e) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para a Região Autónoma da Madeira nas vagas da Universidade da Madeira ao abrigo do disposto no artigo 16.º;
f) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para a Região Autónoma da Madeira não colocados na operação descrita na alínea e) nas respectivas vagas;
g) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para emigrantes portugueses e familiares que com eles residam nas respectivas vagas;
h) Colocação dos candidatos às vagas do contingente especial para militares em regime de contrato (RC) nas respectivas vagas;
i) Inclusão no âmbito do contingente geral dos candidatos não colocados nas vagas dos contingentes especiais;
j) Adição das vagas sobrantes das operações a que se referem as alíneas c) a h) às vagas do contingente geral;
l) Colocação dos candidatos às vagas do contingente geral ao abrigo da prioridade estabelecida pelas preferências regionais referidas no artigo 17.º;
m) Colocação dos candidatos às vagas do contingente geral ao abrigo da prioridade estabelecida pelas preferências habilitacionais referidas no artigo 18.º;
n) Colocação dos restantes candidatos às vagas do contingente geral nas vagas sobrantes após a operação referida na alínea m).
2 — Se numa etapa da sequência a que se refere o número anterior um candidato já colocado em etapa anterior puder obter colocação em preferência superior, é -lhe atribuída esta colocação, sendo refeitas as duas etapas”.

2.     Colocação nas vagas fixas

Segue uma ordem decrescente das preferências indicadas no formulário.

Em cada iteração, verifica-se o seguinte:

 a) Se o candidato, numa das listas ordenadas a que se refere o artigo 36.º, tem lugar na sua primeira preferência, procede -se à colocação;
b) Se o candidato, numa das listas ordenadas a que se refere o artigo 36.º, não tem lugar na sua primeira preferência, conservam -se nas  suas preferências de ordem igual ou superior à de ordem mais alta em que tem colocação.

          Assim, finda a iteração as preferências onde já não existam vagas são eliminadas, declarando-se como não colocados os candidatos que não disponham de preferências.
Nos casos de empate, resultante da aplicação das regras de seriação – art. 36.º, disputando a última vaga, são abertas vagas adicionais necessárias para a admissão desses alunos.
     
V - Resultado final e a sua publicitação

O resultado do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso é expresso da seguinte forma (além do nome, número de identificação civil e o resultado):

                       a) Colocado (par estabelecimento/curso);
                       b) Não colocado;
                       c) Excluído da candidatura (respectiva fundamentação legal)

A publicitação dos resultados verifica-se através do sítio da Internet da Direcção – Geral do Ensino Superior.

          VI – Reclamações

             Sempre que se entenda existir motivo para reclamar do resultado final do concurso, devem os candidatos apresentar reclamação devidamente fundamentada, no prazo previsto no Código de Procedimento Administrativo.

             Assim, em caso de reclamação o candidato tem 10 dias para praticar o acto (apresentar a reclamação) tal como a decisão por parte dos órgãos competentes, têm de a proferir no prazo de 10 dias.

           Estes dez dias contam-se da seguinte forma:

          Não se conta o dia em que o candidato teve conhecimento da lista de colocação. O prazo inicia-se no dia seguinte ao ter tido conhecimento. E, suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
         Se o último dia do prazo coincidir com o dia em que por qualquer motivo o serviço ao qual se deva praticar o acto, esteja fechado, o último dia transfere-se para o primeiro dia útil seguinte

          Nota:

          Pré-requisitos - São aptidões de natureza física, funcional ou vocacional que podem ser exigidos para acesso a determinados cursos.
         A fixação dos pré-requisitos e seu conteúdo é da competência de cada estabelecimento de ensino.
   De acordo com a sua natureza, os pré-requisitos podem ter carácter eliminatório.

           Exemplo1: para o curso de Educação Musical sujeita ao pré-requisito de aptidão musical, deve o candidato submeter-se a essas provas. A nota atribuída será convertida para a escala de 0 a 200.
         Por sua vez, atribui-se previamente determinado peso à nota de candidatura. A título de exemplo: a Escola (B) atribui o peso a prova de aptidão musical de 20%. Imagine-se que o aluno teve a classificação de 14 valores na prova.
        Temos, para um aluno que faz apenas um exame de ingresso e lhe é exigido um pré-requisito os seguintes cálculos:

                  S × ps + P × pp + R × pr

         Sendo:
         S = 15 (passar para a escala de 200)  = 150
         ps = 20%
         P = 12 (passar para a escala de 200)  = 120
         pp = 20%
         R = 15 (passar para a escala de 200) = 150
         pr = 20%

      Passagem para a escala de 200
                        15  _____  20
                         X _______200
                           X = 150

Aplicação da fórmula

(150 x 0.20) + (120 x 0.20) + (150 x 020) = 84


Exemplo2: O aluno faz duas provas de ingresso sem requisitos
       

                    S × ps + P1 × pp1 + P2 × pp2

    S = 15 (passar para a escala de 200) = 150
     Ps = 20%
     P1 = 12%  (passar para a escala de 200) =  120
     Pp1 = 20%
    P2 = 12 ( passar para a escala de 200) = 120
    Pp2 = 20%
  (150 x 0.20) + (120 x020) + (120 x 0.20) = 78

         Se este aluno se candidatar para um curso com provas de aptidão, temos- os cálculos anteriores mais as notas que correspondem aos requisitos.

             R = 15 (passar para escala de 200) = 150
             Pr = 20%
               78 + (150 x 0.20) = 108

           Ver o recente Regulamento de Acesso e Ingresso ao Ensino Superior, que entrou em vigor no dia 15 de Julho de 2011.


sexta-feira, 8 de julho de 2011

Prescrição electrónica de medicamentos

 A Portaria n.º 198/ /2011, de 18 de Maio ...

Papiro de Edwin Smith - 1600 a,C.

Com a publicação da Portaria n.º 198/ /2011, de 18 de Maio, que veio a definir o regime jurídico a que devem obedecer as regras da prescrição electrónica, tal como o regime transitório da receita manual de medicamentos, foi dado um passo no sentido do objectivo último em matéria do medicamento, - desmaterialização integral do processo de prescrição electrónica – propósito do n.º 2 do art. 1.º da referida Portaria. (Isto é, o prescritor – médico envia directamente à Farmácia, o receituário por via electrónica).

Nos termos do art.º 9.º da identificada Portaria, as receitas electrónicas são condição da comparticipação dos medicamentos. Mas existem excepções a esta regra, nomeadamente, nas seguintes situações: 
a) Prescrição no domicílio;
b) Em caso de falência do sistema electrónico;
c) Profissionais com volume de prescrição igual ou inferior a 50 receitas por mês;
d) Noutras situações excepcionais, de inadaptação comprovada, precedidas de registo e confirmação na ordem profissional respectiva.

A al. d) deste preceito vem a permitir que outras situações não previstas na Portaria possam permitir a prescrição de medicamentos manualmente desde que as situações sejam devidamente comprovadas.

Nessas situações há por imposição legal um controlo administrativo vinculativo por parte da Ordem dos Médicos. A Ordem dos Médicos terá que ter conhecimento das situações em concreto e validar a situação excepcional.

Este novo regime, entraria em vigor a 1 de Julho de 2011, mas face as dificuldades de implementação e a necessidade de se manter a assistência medicamentosa da população, foi prorrogada a data da sua entrada em vigor para 1 de Agosto de 2011.

Assim, até 31 de Julho, as receitas manuais de medicamentos são válidas produzindo os mesmos efeitos de comparticipação.

Os modelos das receitas electrónicas constam dos anexos à Portaria.



sábado, 25 de junho de 2011

Crime de Violação previsto e punido no art. 164.º do Código Penal Português

No crime de violação previsto no art.º 164.º do Código Penal está em causa a liberdade sexual, a auto-conformação da vida e prática sexuais da pessoa, afrontada pelo constrangimento daquela a suportar ou praticar os actos descritos no n.º 1 e 2 do mesmo artigo.

A liberdade sexual decorre do direito do indivíduo a dispor do seu corpo, parte integrante da sua autonomia pessoal, sendo um elemento fundamental do direito à intimidade e vida privada.




Ao longo dos tempos os crimes de natureza sexual foram sofrendo profundas alterações ao nível conceitual, interesses a proteger e a própria moldura da pena. Actualmente, trata-se de um crime contra a pessoa e não, como no passado, contra a moralidade sexual. A protecção da liberdade e autodeterminação sexual surge com a Revisão de 1995.
No que respeita ao crime de violação, o legislador sempre integrou como elemento do tipo – o uso da violência – já previa o art. 394.º do CP, de 1852. Neste normativo, preenchia-se o tipo desde que verificada a cópula ilícita por «via de meios fraudulentos tendentes a suspender o uso dos sentidos».
O n.º 1 do art. 201.º do CP de 1982, veio a prever «Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos».
Em 95, o CP veio a dar nova redacção ao crime de violação, estabelecendo « Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, ou, ainda, pelos mesmos meios, a constranger a tê-la com terceiro, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos».
Acrescentando o seu n.º 2 que «Com a mesma pena é punido quem, nos termos previstos no número anterior, tiver coito anal com outra pessoa, ou a constranger a tê-lo com terceiro».
Sem prejuízo da alteração prevista na L n.º 65/98, a actual redacção do crime de violação prevista na L 59/2007, de 4 de Setembro, veio a estabelecer no seu n.º1 que: «Quem, por meio de violência, ameaça grave,
ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos».
As sucessivas alterações denotam que tem cabido à jurisprudência o entendimento a ter sobre o conceito de violência neste tipo de crime.
Na vigência do CP de 1888, o STJ defendia que o elemento - violência - deveria estar preenchido sempre que o acto fosse praticado contra ou sem a vontade da vítima. (Neste sentido o Ac. do STJ de 07/10/1064. Mas, por exemplo, o Ac. da Relação de Lisboa, de 27/03/68, defendeu que o elemento do tipo – violência -  teria que consubstanciar uma acção do agente.)
A limitação do conceito de violência é fundamental, pois a diferença entre a equiparação da violência à ausência de vontade da vítima ou à oposição e a equiparação a violência à existência de acção ou comportamento físico traduzem em termos práticos na absolvição ou não do arguido. Em extremo, leve a uma situação no mínimo caricata – em caso idêntico ter o tribunal decisões diferentes – condenar/absolver.
Não tem sido pacífica a limitação do conceito de violência neste tipo de crimes, na doutrina.
Segundo o Professor Figueiredo Dias, «não basta nunca à integração do tipo objectivo de ilícito (…) que o agente tenha constrangido a vítima a sofrer ou a praticar, acto de violação, - isto é, que este acto tenha tido lugar sem ou contra a vontade da vítima».
Defende este Professor que «o meio típico de coacção é pois, antes de tudo, a violência, existindo esta quando se aplica a força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada». Nas Actas da Comissão Revisora, na discussão do tipo de crime de coacção sexual, expressamente refere que «não basta a simples falta de consentimento, sendo preciso, por exemplo, a violência ou ameaça grave».
Já o Juiz Sénio Alves, defende «na falta de referência expressa do artigo 164.º, n.º 1, à violência física, parece ser de concluir que tanto a violência física como a moral, se determinaram a cópula, são elementos constitutivos do tipo de violação. É que a violência moral (consistente, v.g., no perigo de um mal maior para a vítima ou sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes á determinação do que é “grave” e à respectiva prova), ela ficaria impune. (…) A “grave ameaça” é algo diferente, de um ponto de vista qualitativo. Consiste, penso, no colocar a vítima perante a iminência da verificação da violência (física ou moral) provocando-lhe um tal temor que a determine à cópula».
Por outro lado, o Juiz Mouraz Lopes considera que com a reforma de 2007 «o legislador optou por criminalizar, nos casos de coação sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade».
Ao contrário da legislação portuguesa, a espanhola prevê expressamente no que se refere a crimes de natureza sexual, no art. 179.º - o crime de abuso sexual para os casos em que não há violência ou intimidação e sem que haja consentimento, basta a realização de actos que atentem contra a liberdade sexual de outra pessoa.
Na mesma lógica está a legislação italiana, que previu como conduta penalmente relevante – artigo 609 primeiro parágrafo «o induzir alguém a cometer ou suportar acto sexual» como elemento do tipo de crime «às condutas tipificadoras de práticas de actos sexuais abusivos».
Tendo sido já referenciado que o legislador não expressou a noção de “violência” para este tipo de crime, temos verificado que a jurisprudência, ainda que tenha uma tendência maioritária de entender que existia sempre violação quando o acto tivesse sido praticado contra ou sem a vontade do ofendido ou ofendida, segue-se alguns exemplos de decisões em sentido contrário, nomeadamente, Ac. TRC de 17/02/93, Ac. TRP de 06/03/91.
Sobre esta matéria, o Ac. STJ de 25/11/92, chegou a suportar a decisão que o vinculou, no seguinte entendimento - a violência no crime de violação «tem de se traduzir na prática de actos que tenham como resultado o constranger a vítima a suportar uma conduta que não quer, numa construção da figura em que o constrangimento corresponde a um ter de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal.»
Este entendimento foi recentemente afirmado no Ac. do TRP de 13/04/2011, estando em causa a violação ou não de uma mulher pelo médico que a seguia em consulta na especialidade de psiquiatria. O referido Acórdão prescreve que «A violência exigida pelo artº 164º tem de traduzir-se na prática de actos de utilização de força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) contra a pessoa da vítima de modo a constrangê-la a não adoptar qualquer atitude de resistência às intenções do agente ou a vencer a resistência já oferecida. O simples desrespeito pela vontade da ofendida não pode ser qualificado de violência».
Esta última afirmação, em resultado da interpretação dada pelo Tribunal, implica, salvo melhor opinião, que o tipo de crime de violação não inclui enquanto elemento do tipo – o não consentimento da vítima. Veja-se: se o simples desrespeito pela vontade da vítima for equiparável ao não consentimento, temos que o não consentimento, não enquadra no tipo de crime de natureza sexual. A ser assim, não deveria o tribunal, de seguida, entender que «será inútil aferir da ausência de vontade ou de consentimento da ofendida, na medida em que o crime de violação previsto no nº 1 do artº 164º do C.P. é um crime de execução vinculada, i. e., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir». Isto é, como não houve violência, não carece a verificação da falta ou não do consentimento da ofendida. Se, da prova, se tivesse retirado, acto de violência, já o consentimento ou não da vítima era elemento do tipo?
Por outro lado, o conceito de violência neste tipo de crime, enquanto utilização de força física, leva a uma outra questão: a questão da graduação da força que está intimamente relacionada ao tipo de vítima. Por exemplo: um empurrão num adulto, num homem, numa mulher, ou até mesmo num doente fragilizado fisicamente, impõe necessariamente resultados/danos diferentes.
Tal como vem expresso em Declaração de Voto, no Acórdão identificado em último «o conceito de violência ínsito a uma violação conhece graduações que vão até à brutalidade física e crueldade, mas que podem partir de um ponto em que - o ofensor usa apenas a força necessária para atingir o objectivo da conquista sexual e controlar a vítima».
 Fica o registo apenas – das alterações sucessivas na redacção dada aos crimes de natureza sexual, ficam as mesmas dificuldades do passado - em limitar um conceito indeterminado – violência – que faz parte do tipo de crime de violação. Bem andou, a legislação espanhola e a italiana.

Ver o Ac. TRP, de 13/04/2011.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Key West, Florida

Cayo Hueso, baptizada por Ponce de Leon em homenagem às ossadas dos Índios Calusa.
A aproximadamente 150 quilómetros de Cuba, as ilhas Key sob a forma de cordão estão envolvidas por barreiras de corais e no estremo sul da Florida a estrada estende-se ao longo do mar, interrompendo-o.
 – Chegada a Key West!

Reza a história que até ao século XVIII, foi refúgio de piratas. Quando se torna território americano no início do século XIX, passou a ser área reservada ao salvamento de navios naufragados – wrecking. Com as melhorias das condições de navegação, o negócio que gerou fortunas entrou em declínio, obrigando a ilha a procurar outra forma de sustento. É na plantação de tabaco que a população vê futuro da economia, de tal forma que no Século XX, Key West é um dos maiores centros de fabrico de charutos. A par do fabrico de charutos, a cidade desenvolvia actividades políticas – ainda Cuba era território espanhol.
Em 1912 termina a construção da Overseas Railroad – 160 quilómetros que levavam a qualquer parte das ilhas. É possível ver as pontes que avançam pelo mar, situadas em paralelo à estrada.
Em 1928, a população falida fazia antever a grande recessão económica de 1929. É nessa altura que Key West passa a ser porto de abrigo de artistas e escritores. (Nesta cidade pitoresca viveram alguns nomes: John Dos Passos, Hemingway, Elizabeth Bishop, entre outros).
Hemingway chamou-lhe a “Saint-Tropez dos pobres”. Recuperada da crise, a cidade continua a mostrar para quem lá passa as vivendas de estilo colonial espanhol, com varandas próprias para abraçar o clima húmido e quente. O museu dedicado ao escritor – Hemingway (Nobel da Literatura em 1954) é exemplo do estilo arquitectónico espanhol e dos bons ventos de outrora. A par destas, outras se seguem edificando esta magnífica cidade que hoje, ao contrário do baptismo do autor de “O Velho e o Mar”, é uma das mais caras e superlotas estâncias turísticas dos Estados Unidos.
Com clima propício à boémia Sunset Celebration é o exemplo, - celebração diária do pôr-do-sol, (várias pessoas se juntam na Mallory Square, e os artistas apresentam diversos espectáculos) é no princípio do mês de Julho, nas festas com o nome do escritor que ali se fixou nos finais dos anos vinte, - Dias de Hemingway - que a cidade recebe forasteiros que procuram actividades desportivas e culturais, criando um ambiente ímpar. Durante dez dias a oferta passa por conferências de escritores, sessões de poesia, concertos, regatas, torneio de golfe. A imitação das touradas de Pamplona não tira o lugar ao evento mais insólito da cidade – o concurso para a escolha do homem mais parecido com Hemingway. O vencedor, recebe o busto em bronze do escritor que substituiu sem rodeios Ponce de Leon, descobridor das ilhas no estremo sul da Florida.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Internamento Compulsivo - Lei da Saúde Mental

A Lei n°36/98, de 24 de Julho - Lei da Saúde Mental, tem a finalidade de regular os princípios gerais dos cuidados a ter no âmbito da saúde mental e nesse sentido estabelece as regras que se devem observar em situações do internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica.

                                          Antigo Hospital da Misericórdia, net

 Prevê o n.º 1 do art. 12.º do aludido diploma que o portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento médico adequado.

Requisito essencial do internamento compulsivo é a recusa de submissão do portador de anomalia psíquica ao necessário tratamento médico.
 
Preceitua, por outro, o n.º 2 do art. 8° do referido diploma que o internamento compulsivo só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento e finda logo que cessarem os fundamentos que lhe deram causa.

Desta norma resulta que o internamento compulsivo, enquanto restrição a direitos, liberdades e garantias fundamentais, se encontra submetido a um estrito princípio de necessidade, - art. 18.º° da Constituição da República Portuguesa.

A consagração deste princípio fundamental está previsto no n.º 1 do art. 8.º. Por outro lado, o internamento compulsivo deve obedecer também ao princípio da proporcionalidade, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal.

Em termos práticos, temos que em situações concretas de perigo podem requerer o tratamento compulsivo de pessoa com anomalia psíquica, as autoridades de saúde pública e o Ministério Público, nos termos do art. 13.º do mesmo diploma. A legitimidade para requerer o internamento nestas condições não se restringe apenas as entidades anteriormente indicadas. Todos os indivíduos com a qualidade de representantes legais do portador de anomalia, os que têm o poder jurídico de interditar. Em determinadas situações (no caso de se verificarem os pressupostos contidos no n.º 1 do art. 12.º no decurso de um internamento voluntário) tem legitimidade o Director Clínico da Estabelecimento de Saúde.  

Assim, a título de exemplo, um elemento afecto às autoridades de saúde pública – delegado de saúde, face a solicitação de um membro da família ou mesmo um vizinho do indivíduo com perturbações, emite um mandado de condução para avaliação da necessidade de tratamento compulsivo.

Na sequência dos direitos do internado, nomeadamente o de estar presente aos actos processuais que lhe digam directamente respeito e ser assistido por defensor, as decisões sobre a privação de liberdade, por parte do juiz obriga que o internado seja informado/notificado dos seus direitos e deveres.


                                                 
A sessão conjunta é levada ao conhecimento de todos os intervenientes do processo. O juiz notifica: o internando, o defensor, o requerente e o Ministério Público.

No âmbito da realização de diligências, o juiz pode determinar novas avaliações psiquiátricas do internando para avaliar da necessidade do internamento compulsivo (realização de sessão conjunta de prova).
Nos termos do art. 33.º pode o internamento ser substituído por tratamento em regime de ambulatório, permitindo o tratamento do doente em liberdade.

Esta faculdade depende da aceitação expressa, isto é, obedecer à forma escrita por parte do internado e comunicada ao Tribunal competente.

Em caso de incumprimento do tratamento por parte do portador de anomalia psíquica, o medico assistente deverá comunicar de imediato ao Tribunal, que decide pelo internamento do indivíduo.

O regime é muito rigoroso na medida em que o internamento compulsivo é uma medida que restringe a liberdade do indivíduo, para que este seja submetido a tratamento.

Resulta do n.º 1 do art. 33° da Lei de Saúde Mental, nomeadamente da sua parte final, que, não obstante o internando passe do regime de tratamento em internamento – fechado, para o tratamento em ambulatório - aberto, mas sempre compulsivo (obrigatório), a sua situação deverá segue o regime previsto nos artºs. 34° e 35° do mesmo diploma.


O rigor do regime é notório quando o legislador estipula, que a situação do internando pode ser objecto de revisão, nos termos do art. 35.º da LSM, sem prejuízo de ser obrigatória quando decorridos dois meses sobre o início do internamento ou sobre a decisão em manter o internamento, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Assim, sempre que da situação concreta resulte para o internando o tratamento compulsivo em regime de ambulatório, significa que os pressupostos que lhe deram origem se mantêm, logo não poderá o Tribunal arquivar os autos, sob pena de o Tribunal deixar de intervir no respectivo procedimento, consequentemente, não estará a cumprir o dever de “revisão da situação do internado” a que está obrigado, ficando comprometido o controlo judicial da situação de restrição da liberdade, por decisão judicial.



sábado, 4 de junho de 2011

Igualdade do género – Contratos de Seguros


O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu no sentido de proibir a discriminação sexual nos contratos de seguros.
O descontentamento no sector face a esta decisão do Tribunal foi justificado no sentido de que seria a própria diferença de género um critério de justiça. No entender das seguradoras, a desigualdade de preços tem por base uma avaliação dos riscos, -  justa.
A Associação Portuguesa de Seguros em defesa as políticas estabelecidas de riscos assumiu a mesma posição do Comité Europeu de Seguros. Ou seja, a diferença de preços têm subjacente a avaliação de risco, enquanto o melhor critério. (Por exemplo, as estatísticas têm revelado que as mulheres mais jovens tem menos acidentes de automóvel).
A decisão do Tribunal da União Europeia veio assim, determinar que o preço aplicável é igual independentemente de ser homem ou mulher.
Ao cumprir-se a decisão do Tribunal, haverá a convergência de preços, que levará a aplicação de preços mais elevados. Ora, mais uma vez o consumidor será o prejudicado.
Após um período de transição, estas novas regras estarão em vigor na sua totalidade em 2013. Viviane Reding (Comissária da EU para a justiça) entende que esta decisão do Tribunal consubstancia um grande passo no âmbito do direito fundamental da igualdade do género.
Junho de 2011