domingo, 17 de março de 2013

Construção - Chico Buarque




Viaduto de S. Gregório, na A15. Caldas da Rainha




Direito processual não é para todos.

É o que se pode retirar da leitura do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/03/2013. A eterna questão da – prova.

Em 2001, no dia 19 janeiro caiu o viaduto de S. Gregório em construção, na A15 – Caldas da rainha.
Do acidente resultou a morte de quatro trabalhadores, de acordo com a notícia.
O relatório objeto de notícia no – Diário de Notícias deu a entender ter existido – negligência por violação das regras de segurança.
Após 12 anos e aproximadamente três meses, o tribunal da Relação de Lisboa não termina com decisão final, impondo que o processo regresse a 1.ª instancia para aferir de eventual responsabilidade civil e criminal dos condenados no anterior julgamento.
Aqui fica parte da decisão de 1.º instância:
«O tribunal de 1.ª instância considerou, porém, que o referido relatório, não sendo embora prova pericial, constituía prova documental e que, como tal, podia servir, como veio efetivamente a servir, para a formação da convicção do tribunal.
 
E, numa primeira leitura, essa decisão podia parecer acertada.
O relatório podia ser visto como uma declaração corporizada num escrito – artigo 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – e, como tal, suscetível de constituir prova documental.

Porém, se lermos esse relatório, verificamos que a declaração que ele consubstancia não é idónea a provar qualquer facto juridicamente relevante – alínea a) do artigo 255.º do Código Penal – uma vez que, na sua essência, essa declaração não traduz qualquer conhecimento direto dos factos que constituem o objeto do processo por parte de quem a elaborou. Não é, tal como o exigiria a noção tradicional de documento, a fixação da «memória de um facto para garantir a existência de uma situação jurídica»[4]. Trata-se de uma peça escrita de natureza valorativa que, tendo por base declarações dos arguidos e de outras pessoas, informações e relatórios técnicos de distintas entidades, fotografias, alguma observação pessoal e conhecimentos especializados próprios, extrai, para fins político-administrativos, conclusões sobre as circunstâncias em que o acidente ocorreu e sobre as suas causas.
Se um relatório final elaborado no próprio processo judicial pela Polícia Judiciária que analisasse a prova pessoal, documental e pericial reunida durante a fase de inquérito e tomasse em conta os factos observados pelo OPC que tinha procedido à investigação não poderia servir para formar a convicção do tribunal de julgamento – artigos 355.º a 357.º do Código de Processo Penal – muito menos o pode um relatório materialmente semelhante elaborado, fora do processo penal, por uma entidade administrativa.
Não é a qualidade técnica dos seus subscritores que torna valorável o que materialmente não era.

De tudo isto se conclui que o referido relatório, que se encontra, nomeadamente, a fls. 139 a 170 do 1.º volume deste processo, não podia ter sido tomado em conta para a formação da convicção do tribunal»

«O mesmo se diga quanto à Informação elaborada pelo IDICT, que é o primeiro elemento anexo àquele Relatório.

Também ela constitui uma avaliação da situação por parte de um técnico superior daquele instituto baseada na consulta de documentos e na audição de pessoas que participaram na obra e eram, direta ou indiretamente, responsáveis pela sua segurança.

Outro tanto não se pode dizer do “Parecer” elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que também se encontra em anexo ao mencionado relatório.

Trata-se de um verdadeiro parecer técnico, que reflete um saber especializado, cuja junção é permitida pelo n.º 3 do artigo 165.º do Código de Processo Penal».
«O que se disse quanto à insusceptibilidade de valoração do Relatório Final da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social e da avaliação do IDICT para o efeito da formação da convicção do tribunal não afeta minimamente a suscetibilidade de os seus subscritores serem ouvidos na audiência como testemunhas uma vez que os mesmos têm capacidade e dever de testemunhar – artigo 131.º do Código de Processo Penal – e não estão impedidos de o fazer – artigo 133.º do mesmo diploma.
Claro está que eles apenas podem depor sobre factos de que possuam conhecimento direto e que constituam objeto de prova – artigo 128.º, n.º 1, do Código –, podendo, no entanto, interpretar esses mesmos factos se essa interpretação tiver lugar em função de qualquer ciência ou técnica que dominem – alínea b) do n.º 2 do artigo 130.º daquele diploma.
Para além disso, tal como os OPC não podem depor sobre declarações que tiverem recebido cuja leitura não for permitida em audiência, também as testemunhas que, no desempenho de funções administrativas, tiverem tomado declarações a outras pessoas que não possam ser lidas na audiência, não poderão depor sobre elas. É o que resulta, por identidade ou maioria de razão, do disposto no artigo 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal».
(…)
O Tribunal Relação de Lisboa, de 13/03/2013, concluiu e decidiu que, «Em face do sentido das decisões proferidas quanto aos recursos intercalares apreciados neste acórdão (valoração de prova que o não podia ser, perda de eficácia da prova produzida e indeferimento de toda a prova requerida na sequência das comunicações efetuadas sem que tenha sido dada a possibilidade aos requerentes de esclarecerem os fundamentos da sua pretensão) fica prejudicado o conhecimento dos recursos interpostos do acórdão final, devendo ser realizado novo julgamento e proferido novo acórdão em que o tribunal aprecie a eventual responsabilidade criminal e civil dos condenados no anterior julgamento».

domingo, 10 de março de 2013

Trabalhar no feminino




Nada melhor para comemorar em plano o dia da mulher, do que conhecer os dados publicados pelo INE, sobre o trabalhar no feminino.


O Instituto Nacional de Estatística apresenta alguns indicadores que permitem posicionar a mulher perante o trabalho e a atividade profissional, e divulga, pela primeira vez, indicadores que poderão vir a contribuir para a caracterização do empreendedorismo no feminino, em Portugal.

Assim, de acordo com informação apurada pelo INE, «apenas 6% dos membros dos Conselhos de Administração das empresas que em 2011 integravam o Psi20 eram mulheres, valor inferior em 7,7 pontos percentuais à média da UE 27 e muito aquém da meta de 40% definida pela Comissão Europeia para 2020.

Mais de dois
quintos do pessoal ao serviço nas empresas não financeiras eram mulheres. A população feminina estava em minoria em quase todos os setores. No entanto, as mulheres predominavam em algumas atividades de serviços, nomeadamente nas atividades de saúde humana (74,2%), na Educação (64,2%) e no Alojamento e restauração (55,5%).

Por outro lado, de acordo com os Censos 2011, as mulheres representavam 1/3 dos profissionais do grupo “dirigentes».

Consultar o Estudo.

sábado, 2 de março de 2013

Gestão na Administração Pública



O Expresso apresenta um artigo - Reflexões sobre seis anos de gestão na administração pública, de Luís Meneses, que de forma simples e clara, se pronuncia sobre os grandes problemas da gestão na Administração Pública.

 
 René  Magritte

Quais os problemas essenciais na Gestão dos serviços do Estado?
1.º «A crença num poder mágico da legislação e, em geral, da palavra»;
2.º «A falta de confiança e de responsabilização dos dirigentes»;
3.º «A falta de sentido de urgência»;
4.º «A inexperiência, quando não incompetência, na definição de objetivos»;
,5.º «A inexistência duma cultura de melhoria da eficiência»;
6.ª «A falta duma cultura de cooperação. - O "efeito de silo"»;
7.º «Uma gestão orçamental ineficaz e obsoleta»;
8.º «Um conceito errado de mobilidade»;
     «Na cultura empresarial a mobilidade é valorizada e os programas de treino dos quadros com maior potencial utilizam a mobilidade interna como fator de desenvolvimento, das pessoas e da organização. Cada pessoa nova num serviço traz consigo um capital de experiência e de conhecimentos que de algum modo passa para esse serviço e para o seu património de conhecimentos. Em troca, recebe desse serviço os conhecimentos e a experiência aí acumulados. Por isso, nas empresas bem geridas, a mobilidade é, em geral, reservada aos melhores. Na AP, como se viu nos últimos anos, a mobilidade foi destinada aos "excedentes", quando não aos piores, e portanto foi considerada como um estigma. O resultado foi ter-se liquidado o que poderia ter sido um fator importantíssimo de desenvolvimento das pessoas e de revitalização dos serviços»;
9.º «A desconfiança face ao sector privado»;
 10.º «A falta de competências de liderança»;
«No conceito de Lao Tse, segundo o qual um líder é bom quando as pessoas mal notam que existe, não tão bom quando apenas lhe obedecem e o elogiam, mau quando o desprezam. De um bom líder, quando o trabalho está feito, os liderados dirão "fomos nós que fizemos isto". Este tipo de liderança é praticamente existente na AP, onde em geral os líderes se dividem entre os ausentes, que endossam todas as responsabilidades para os seus superiores hierárquicos, e os autoritários, que decidem sem consulta nem envolvimento dos seus subordinados».


 René Magritte
Quanto ao que há de bom, temos, segundo o autor do texto, o seguinte:
«Para não terminar num tom sombrio, devo referir o que de mais importante está bem na AP, permitindo que, apesar deste contexto, as organizações da AP sobrevivam e, em muitos casos, melhorem o seu desempenho. E que é, segundo creio, o espírito de missão e a noção de serviço público que existe em muitos funcionários públicos, sobretudo nos que têm contacto direto com os cidadãos. Conheci, nestes seis anos, muitos com uma dedicação ao trabalho inexcedível, bem para além do que encontrei no sector privado. Embora, por vezes, sem a consciência de que trabalhar muito não é tão importante como trabalhar bem. Encontrei também muitos trabalhadores desinteressados, desmotivados, com muito baixa produtividade.
É necessário estimular e premiar os primeiros e mobilizar, reconverter ou dispensar os segundos. O que não se faz com salários reduzidos igualmente para todos e prémios e promoções adiadas "sine dia". 
 
 René Magritte
 Uma administração pública mais eficiente, com melhores resultados e menos custos, é possível. Mas exige muita determinação e trabalho, muito trabalho».