Em
ação administrativa comum que visava efetivar responsabilidade civil
extracontratual por situação de defenestração, o Tribunal Central Administrativo
do Norte, manteve a decisão de 1.ª Instância, no sentido de não se ter
verificado a ilicitude: a omissão do dever de vigilância e a omissão de deveres
de segurança ficando assim prejudicado o dever de indemnização por danos patrimoniais
e não patrimoniais.
(…) quanto
às condições das janelas da sala, onde se encontrava o internado, ficou
decidido, face às provas que: «Ficou provado que as janelas por onde a
autora/Recorrente saltou (situadas no 1º andar, a cerca de 5 metros de altura
do solo) tinham fecho de segurança, mas nada se provou quanto às circunstâncias
concretas em que se encontravam as janelas no momento do acidente.
Nomeadamente, não se provou que as janelas em causa já estivessem abertas, nem
se provou o seu contrário, ou seja, que as mesmas janelas se encontravam
fechadas, com o fecho acionado. (…)
Perante
a prova produzida, forçoso é concluir que não há fundamento para considerar que
o Réu/Recorrido violou deveres de segurança: por um lado, porque se provou que
as janelas em causa tinham um fecho ou mecanismo de segurança; e, por outro
lado, porque a Autora/Recorrente não logrou provar que no concreto momento do
acidente esse dispositivo de segurança tenha falhado (nomeadamente, por as
janelas se encontrarem abertas, como alegara) sendo certo que o ónus de tal
prova recaía sobre a Autora (cfr. artigos 342.º/1 e 486.º do CCiv).
Em nosso entender a colocação de fechos de
segurança nas janelas em causa cumpre suficientemente o dever que incumbe ao
Réu/Recorrido de manter os doentes internados em segurança, pois se é verdade
que outros dispositivos impossibilitariam de todo em todo uma situação de
defenestração (como seria o caso da colocação de grades nas janelas ou de
vidros inquebráveis, sem qualquer abertura), não pode esquecer-se que a opção
por dispositivos de segurança que não são totalmente invioláveis, não equivale necessariamente
a uma falta de prudência do hospital, mas antes tem subjacente uma ponderação
de outros valores, que se prendem com o ambiente do internamento. Acresce que a
colocação de fechos de segurança é um mecanismo de segurança que se afigura
suficiente e adequado, atendendo à natureza da sala em questão que, como ficou
provado, servia como “sala de estar” ou “sala de convívio”, sendo também esse o
fim visado no dia do trágico acidente, quando a enfermeira levou a
Autora/Recorrente à referida sala para que aí “pudesse relaxar e fumar um
cigarro”. (…)
Mais importante, o atual paradigma terapêutico tem consagração legal no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no artigo 3.º da Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98, de 24 de julho, alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 julho), que estabelece os princípios gerais de política de saúde mental, entre os quais a referida preferência pelos cuidados promovidos a nível da comunidade e também, no que aqui mais releva, o princípio de que “os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível”.
No caso em apreço, o Réu é prestador de
serviços de cuidados de saúde mental em ambiente institucionalizado, estando
obrigado à adopção do referido paradigma terapêutico dos doentes do foro
psiquiátrico e devendo guiar-se pelos princípios da citada Lei de Saúde Mental.
Nomeadamente, o hospital Réu tem um dever de assegurar o direito dos seus
utentes internados a usufruir de “condições dignas de habitabilidade, higiene,
alimentação, segurança, respeito e privacidade” (cfr. artigo 5.º/1-f) da Lei de Saúde Mental).
Assim, os deveres que recaem sobre o
Réu/Recorrido, quanto à segurança dos doentes ali internados, não são
absolutos, mas antes coexistem com outros, que, nomeadamente, passam pela
necessidade de oferecer terapêuticas adequadas “no meio menos restritivo
possível”.
Pelo que, não tendo a Autora/Recorrente
logrado provar que no momento do acidente ocorreu uma qualquer falha na
ativação desse mecanismo de segurança das janelas, que seja imputável ao
Réu/Recorrido, não pode considerar-se verificado o facto ilícito invocado,
consubstanciado na violação de deveres de segurança.
No que respeita à invocada omissão do
dever de vigilância, ficou provado, na parte que mais releva, que após ter
conduzido a Autora à dita sala de convívio (…) Mais se provou que a Autora não
necessitava de vigilância permanente e que nada no seu comportamento fazia
prever a defenestração. (…) Provou-se também que no processo clínico da autora
do Hospital de (…) encontrava-se registado o aviso de “perigo de fuga”, tendo a
autora saído ocasionalmente para passeios no exterior, acompanhada por
enfermeiro (…)
Com base neste facto, a sentença recorrida
concluiu que o comportamento de defenestração não era previsível, nas
circunstâncias de tempo e de lugar concretas, e que a conduta do Réu não era
censurável, (…)
Transcrição
do Ac. TCANorte, de 17/06/2016
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