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terça-feira, 1 de novembro de 2016

Defenestração. Responsabilidade civil extracontratual do Estado



Em ação administrativa comum que visava efetivar responsabilidade civil extracontratual por situação de defenestração, o Tribunal Central Administrativo do Norte, manteve a decisão de 1.ª Instância, no sentido de não se ter verificado a ilicitude: a omissão do dever de vigilância e a omissão de deveres de segurança ficando assim prejudicado o dever de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
 (…) quanto às condições das janelas da sala, onde se encontrava o internado, ficou decidido, face às provas que: «Ficou provado que as janelas por onde a autora/Recorrente saltou (situadas no 1º andar, a cerca de 5 metros de altura do solo) tinham fecho de segurança, mas nada se provou quanto às circunstâncias concretas em que se encontravam as janelas no momento do acidente. Nomeadamente, não se provou que as janelas em causa já estivessem abertas, nem se provou o seu contrário, ou seja, que as mesmas janelas se encontravam fechadas, com o fecho acionado. (…)
 Perante a prova produzida, forçoso é concluir que não há fundamento para considerar que o Réu/Recorrido violou deveres de segurança: por um lado, porque se provou que as janelas em causa tinham um fecho ou mecanismo de segurança; e, por outro lado, porque a Autora/Recorrente não logrou provar que no concreto momento do acidente esse dispositivo de segurança tenha falhado (nomeadamente, por as janelas se encontrarem abertas, como alegara) sendo certo que o ónus de tal prova recaía sobre a Autora (cfr. artigos 342.º/1 e 486.º do CCiv).
Em nosso entender a colocação de fechos de segurança nas janelas em causa cumpre suficientemente o dever que incumbe ao Réu/Recorrido de manter os doentes internados em segurança, pois se é verdade que outros dispositivos impossibilitariam de todo em todo uma situação de defenestração (como seria o caso da colocação de grades nas janelas ou de vidros inquebráveis, sem qualquer abertura), não pode esquecer-se que a opção por dispositivos de segurança que não são totalmente invioláveis, não equivale necessariamente a uma falta de prudência do hospital, mas antes tem subjacente uma ponderação de outros valores, que se prendem com o ambiente do internamento. Acresce que a colocação de fechos de segurança é um mecanismo de segurança que se afigura suficiente e adequado, atendendo à natureza da sala em questão que, como ficou provado, servia como “sala de estar” ou “sala de convívio”, sendo também esse o fim visado no dia do trágico acidente, quando a enfermeira levou a Autora/Recorrente à referida sala para que aí “pudesse relaxar e fumar um cigarro”. (…)


Mais importante, o atual paradigma terapêutico tem consagração legal no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no artigo 3.º da Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98, de 24 de julho, alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 julho), que estabelece os princípios gerais de política de saúde mental, entre os quais a referida preferência pelos cuidados promovidos a nível da comunidade e também, no que aqui mais releva, o princípio de que “os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível”.
No caso em apreço, o Réu é prestador de serviços de cuidados de saúde mental em ambiente institucionalizado, estando obrigado à adopção do referido paradigma terapêutico dos doentes do foro psiquiátrico e devendo guiar-se pelos princípios da citada Lei de Saúde Mental. Nomeadamente, o hospital Réu tem um dever de assegurar o direito dos seus utentes internados a usufruir de “condições dignas de habitabilidade, higiene, alimentação, segurança, respeito e privacidade” (cfr. artigo 5.º/1-f) da Lei de Saúde Mental).
Assim, os deveres que recaem sobre o Réu/Recorrido, quanto à segurança dos doentes ali internados, não são absolutos, mas antes coexistem com outros, que, nomeadamente, passam pela necessidade de oferecer terapêuticas adequadas “no meio menos restritivo possível”.
Pelo que, não tendo a Autora/Recorrente logrado provar que no momento do acidente ocorreu uma qualquer falha na ativação desse mecanismo de segurança das janelas, que seja imputável ao Réu/Recorrido, não pode considerar-se verificado o facto ilícito invocado, consubstanciado na violação de deveres de segurança.
No que respeita à invocada omissão do dever de vigilância, ficou provado, na parte que mais releva, que após ter conduzido a Autora à dita sala de convívio (…) Mais se provou que a Autora não necessitava de vigilância permanente e que nada no seu comportamento fazia prever a defenestração. (…) Provou-se também que no processo clínico da autora do Hospital de (…) encontrava-se registado o aviso de “perigo de fuga”, tendo a autora saído ocasionalmente para passeios no exterior, acompanhada por enfermeiro (…)
Com base neste facto, a sentença recorrida concluiu que o comportamento de defenestração não era previsível, nas circunstâncias de tempo e de lugar concretas, e que a conduta do Réu não era censurável, (…)

Transcrição do Ac. TCANorte, de 17/06/2016

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