Faltas para assistência de filho
menor saudável. Poder-dever de cuidado. Princípio da boa-fé. Colisão de
direito.
A Lei do Trabalho, no quadro das ausências ao
trabalho estabelece um regime geral de faltas e um regime específico no âmbito
da parentalidade. No regime da parentalidade a lei atribui um conjunto de
direitos vinculativos e taxativos – art. 35.º e ss do CT/2009 aplicável a todos
os trabalhadores independentemente da natureza do vínculo laboral. O regime do
Código do Trabalho é aplicável aos trabalhadores com contrato de direito
público por força do art. 4.º da LGTFP (L n.º 35/2024).
O regime geral das faltas classifica as
ausências como justificadas e não justificadas. As justificadas estão
expressamente identificadas na lei. As faltas que não constem como justificadas
são injustificadas.
O regime da parentalidade também indica os
motivos das ausências sendo que algumas não constam no regime como o caso da
ausência para acompanhamento de filho menor saudável.
A ausência do serviço para acompanhar filho
menor saudável não pertence ao quadro legal das faltas quer no regime geral
quer no regime da parentalidade e por isso exige soluções com vista a não
prejudicar o trabalhador. Qual o quadro legal aplicável para as ausências em
razão do cumprimento do poder-dever de cuidado de filho menor saudável?
Numa
sociedade que cada vez mais se defende os direitos de crianças e jovens
condenando seriamente os comportamentos negligentes e dolosos no âmbito do
pode-dever de cuidar é necessário procurar soluções legais e que as entidades
empregadoras seja parte da solução.
É muito frequente que o pai ou a mãe fiquem
impossibilitados de trabalhar por não ter com quem deixar o filho durante certo
período de tempo e quando tal acontece têm duas hipóteses: deixar o menor
desacompanhado ou acompanhar o menor faltando ao serviço.
Verificando-se a última hipótese, a lei
laboral protege o exercício inadiável das responsabilidades
parentais excluídas do regime da parentalidade e do regime geral das faltas?
A
resposta é no sentido positivo, ainda que, não exista norma diretamente
aplicável.
O
regime da parentalidade admite duas situações de ausência (n.º 1 e 2 do art.
49.º por força da al. e) do n.º 2 do art. 249.º do CT/2009.
-
Ausência de trabalhadores que tenham filhos menores de 12 anos – até 30 dias;
e,
-
Ausência de trabalhadores que tenham filhos com 12 ou mais anos – até 15 dias.
A
proteção legal exige que, o menor esteja doente ou tenha sofrido um acidente
excluindo-se assim todas as restantes situações, nomeadamente, o acompanhamento
do menor de 12 anos com vista apenas ao seu acompanhamento. Dito de outro modo,
não há normativo de aplicação direta para justificar a ausência de serviço de
trabalhador para acompanhar filho menor saudável.
Assim,
o trabalhador que se ausente ao serviço para acompanhamento de filho menor de
12 anos e saudável sujeita-se a ter falta injustificada ao serviço com a
consequente violação dos deveres gerais constituindo infração disciplinar e
sujeito ao respetivo desconto na remuneração.
De
salientar que o normativo que regula a falta para assistência de membro do
agregado familiar exclui o descendente (filho) – art. 252.º do CT/2009.
A
solução que se protagoniza é a aplicação de outros normativos no âmbito dos direitos, deveres e garantias resultantes da relação laboral – art. 126.º
a 128.º do CT/2009.
Dos deveres gerais das partes realça-se o princípio da boa-fé no
exercício dos seus direitos e no cumprimento das obrigações.
No âmbito dos deveres da entidade empregadora realça-se o n.º 2 e 3 do
art. 127.º onde se prevê o dever de proporcionar ao trabalhador condições de trabalho
que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e
pessoal.
E, no âmbito dos deveres
do trabalhador, o dever deste comparecer ao serviço com
assiduidade e pontualidade e realizar o trabalho com zelo e diligência – al. b)
e c) do art 128.º do CT/2009.
O conjunto de normativos
acima identificados permitem o equilíbrio dos interesses aqui em causa e devem
projetar-se na qualificação da ausência como justificada e subsumível nas
faltas autorizadas ou aprovadas pela entidade empregadora – al. j) do
n.º 2 do art. 249.º do CT/2009 – justificadas as que por lei sejam como tal
consideradas.
Assim,
de forma a evitar decisões discricionárias por parte da entidade empregadora é
de parecer que, o trabalhador deve desde logo comunicar a ausência e apresentar
prova se a entidade empregadora solicitar – art. 253.º e
254.º do CT/2009.
Em
termos práticos, a comunicação da ausência é um procedimento simples mas o
mesmo não se pode dizer da prova. Existem inúmeros
motivos de ausência ao serviço insuscetíveis de prova documental, nomeadamente,
a impossibilidade de alguém acompanhar o menor saudável – obrigação que resulta
do poder-dever de cuidar. Situações cada vez mais frequentes e com particular
incidência nas famílias monoparentais.
Nestes casos concretos deve o trabalhador estar obrigado a apresentar uma
prova escrita, nomeadamente, um atestado médico?
Não parece que o atestado médico seja o documento que deva fazer prova
deste tipo de situações e por isso considera-se que a prova documental nesta
situação entre outras situações não é materialmente possível ou de difícil
obtenção e, nessa medida, deve considera-se inexigível ao trabalhador.
Neste contexto é necessário dar especial atenção ao princípio da boa-fé
no exercício dos direitos e obrigações das partes resultantes do contrato de
trabalho
Em caso de recusa por parte da entidade empregadora em justificar a
ausência nos termos da al. j) do n.º 2 do art. 249.º do CT/2009, a solução
viável a favor do trabalhador seria o instituto da colisão de direito.
Considerando que, a ausência ao serviço para o exercício inadiável das responsabilidades
parentais não pode deixar de ser tutelado pelo direito em última instância a
solução pode passar pelo instituto de colisão de direitos.
A colisão de direitos está prevista no art. 335.º do CC.
Para que se verifique uma situação de conflito ou colisão de direitos é
necessário que a situação em concreto preencha os três pressupostos cumuláveis:
pluralidade de direitos; diferentes titulares; impossibilidade de exercício
simultâneo e integral dos direitos.
Os critérios para resolver uma situação de colisão de direitos constam do
n.º 1 e 2 do art. 335.º CC que diferencia duas situações:
a)
Perante direitos
iguais e da mesma espécie – o sacrifício deve ser igual – n.º 1.
b)
Perante direitos
desiguais ou de diferentes espécies – o sacrifício deve ser imputado ao que se
considera inferior, ou seja, prevalece o que se considera superior – n.º 2.
Este instituto jurídico implica a limitação de direitos de forma
proporcional com a observância dos princípios da necessidade e adequação.
Quando os direitos não têm igual valor pode acontecer o sacrifício absoluto
do direito de menor valor, ao abrigo do princípio da necessidade, o que parece
ser o caso, quando de um lado temos o exercício do poder-dever de cuidar de
descendente e o direito resultante do contrato de trabalho - a prestação de
trabalho devida pelo trabalhador.
É de parecer que, o exercício inadiável das
responsabilidades parentais resultante do poder-dever
de cuidado de descendente menor e saudável que impliquem a ausência ao serviço
gera um conflito de direitos subsumível no n.º 2 do art. 335.º do CC.
Os direitos fundamentais não tem caráter absoluto e por isso podem ser
mais ou menos restringidos consoante a necessidade de assegurar aos outros o
gozo de direitos e consequentemente devem ser ponderados entre si, devendo
prevalecer aquele que nas circunstâncias em concreto tenha maior
valor/relevância.
Assim sendo, as entidades empregadoras no âmbito das suas
responsabilidades sociais deveriam adotar comportamentos mais flexíveis de
forma a evitar conflitos laborais.
Numa sociedade em que cada vez mais condena os comportamentos negligentes
e dolosos no âmbito da proteção de crianças e adolescentes, as empresas devem
fazer parte da solução – o empregador
deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a
conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal.
Não funcionando os princípios gerais do direito, designadamente, o princípio da boa-fé, no sentido de se encontrar o quadro legal de proteção do trabalhador prevista na al. j) do n.º 2 do art. 249.º do CT/2009 deve encontrar-se solução no instituto jurídico – colisão ou conflitos de direitos nos termos do Código Civil.
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