Relembrar um homicídio (relato em livro) consubstancia ofensa à honra e bom nome do homicida /falecido?
O n.º 1 do art. 66.º articulado com o n.º 1
do art. 68.º, ambos do Código Civil dispõem que a personalidade jurídica é
adquirida com o nascimento completo e com vida e cessa com a morte.
Por sua vez, o n.º 1 do art. 71.º
determina que os direitos de personalidade gozam ainda de proteção após a
morte do seu titular.
Assim, de acordo com os normativos do Código
Civil ainda que a personalidade cesse com a morte do titular dos direitos,
alguns direitos de personalidade – ofensa ilícita e ameaça de ofensa à sua personalidade
física ou moral tem a tutela do Direito.
A lei visa a proteção das pessoas
falecidas contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à respetiva
personalidade, física ou moral, em vida e após morte.
O direito ao bom nome tem consagração na
Lei Fundamental – no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, constam: a
proteção à cidadania; ao bom nome e reputação; à imagem; à palavra; à reserva
da intimidade da vida privada e familiar - art.º 26.º, n.º 1.
Por sua vez, o artº 12.º da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, aplicável por força do disposto no artº 8º da
CRP, determina que, «ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida
privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem
ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a
pessoa tem direito a proteção da lei».
Por outro lado, a publicação em livro a
relatar o evento (homicídio) encontra igualmente tutela constitucional na
liberdade de expressão e informação, prevista genericamente no art.º 37.º da
CRP e na específica liberdade de criação cultural e artística, prevista no
art.º 42.º da CRP.
Também o art.º 19.º da Declaração Universal
dos Direitos Humanos estabelece que «todo
o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o
direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e
difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer
meio de expressão».
Já o art. 10.º, n.º 1, 1ª parte, da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) determina que «qualquer pessoa tem direito à liberdade de
expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de
receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência
de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras»,
sem prejuízo de algumas restrições.
A CEDH prevê-as no art.º 10.º, n.º 2, «o
exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode
ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções,
previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade
democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a
segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da
saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir
a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a
imparcialidade do poder judicial».
No que respeita aos direitos fundamentais, haverá colisão ou conflito
sempre que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois
valores ou bens em contradição numa determinada situação concreta (real ou
hipotética).
Tem sido entendimento que no confronto do
direito à honra com o direito de liberdade de expressão, exercido através da
imprensa (ou publicação de um livro) se há um qualquer interesse público a
prosseguir, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a
liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais.
Também é entendimento que, «a
liberdade de imprensa deva respeitar, no seu exercício, o direito fundamental
do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos
verdadeiros ou que tenha como verdadeiros em séria convicção, desde que
justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito
prevalecer sobre aquele, desde que adequadamente exercido, nomeadamente
mediante exercício de um esforço de objetividade com recurso a fontes de
informação fidedignas por forma a testar e controlar a veracidade dos factos».
Se o autor na descrição do homicídio o descreve de forma objetiva
retratando as circunstância de modo, tempo e lugar não há como dizer que a
retratação tenha atingido o bom nome da pessoa falecida e por conseguinte tenha
havido um ilícito suscetível de ser indemnizável nos termos da lei civil.
Liberdade de expressão, Direito de
personalidade, tutela do direito à honra, ofensa à memória de falecido, Ac. TR
Guimarães de 22/10/2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário