Falsificação de Procuração. Efeitos
Quem
trabalha na área do direito, muitas vezes, tem como assente ideias, conceitos,
que pela sua simplicidade ou pela sua vulgaridade, tem como adquiridos de forma
errada.
Quais
as consequências de uma Procuração falsa?
Transcreve-se
parte de um Acórdão do STJ, simples e interessante:
«A
procuração é um acto unilateral pelo qual a parte confere poderes de
representação. Desde o momento em que é passada em seu favor procuração, o
mandatário pode praticar actos judiciais em nome do representado; se a
procuração for junta a certo processo pode praticar tais actos nesse processo” (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol,
1987, p. 168-169).
Logo, “quando a parte declare na procuração que dá
poderes forenses ou para ser representada em qualquer acção, o mandato assim
conferido atribui ao mandatário poderes para a r5epresentar em todos os actos e
termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os
tribunais superiores, sem prejuízo, porém, das disposições que exijam a outorga
de poderes especiais por parte do mandante” (cfr. Anselmo de Castro,
Direito Processual Civil Declaratório, vol II, 1982, p. 140).
A
procuração é, para além da formalização solene da investidura de poderes de
representação, um meio de prova desses poderes e, consequentemente, da “legitimação” do mandatário, quer
perante o tribunal, quer perante a parte contrária para actuar por ela e em
nome dela.
É um
meio de prova da relação jurídica de mandato (forense) estabelecida entre o
advogado e a parte no processo e pela qual esta lhe conferiu poderes para
actuar em nome dela e por ela em termos de os efeitos desses actos se
produzirem na sua esfera jurídica, como se pela própria parte houvessem sido
praticados.
Logo se
vê que não é um meio de prova (documental) dos factos em disputa no processo e
de cuja demonstração dependa a procedência ou improcedência da acção, pelo que
a aplicabilidade do regime do estabelecimento ou denegação da sua genuinidade
previsto nos art.s 373º e segs do CC e 444º e segs do CC, deve ter em conta
essa especial natureza.
Por
outras palavras: enquanto relativamente a estes, a (prova da) sua falsidade
acarreta, tão só, a sua desconsideração e exclusão como meio de prova (com os
inerentes reflexos que isso terá quanto à procedência ou improcedência da
acção), relativamente à procuração forense a sua eventual falsidade redundará
apenas no vício da falta de patrocínio judiciário que, quando obrigatório, com
o é o caso, se resolve na falta de procuração.
Isto
sem prejuízo, num caso e noutro, das eventuais responsabilidades criminais.
Ora,
entre os fundamentos previstos para denegação do seguimento do incidente de
falsidade conta-se a impossibilidade de o documento ter influência na decisão
da causa (art. 448º nº3 CPC); sendo a prova dos poderes forenses conferidos
para a acção completamente distinta e diversa da prova dos factos relevantes
para a (im)procedência da acção, a procuração (genuína ou falsa) não colide com
o mérito substantivo da causa.
E
assim, independentemente -
repetimos - da relevância penal
da eventual falsidade das assinaturas apostas nas procurações, da respectiva
autoria material ou moral e do uso de documento falso (questões estas a
apurar no processo-crime instaurado e já a decorrer), não se justifica o seguimento do incidente de falsidade só
para apurar se a autoria das assinaturas apostas na procuração é da pessoa que
nela figura como mandante.
Com
efeito, sendo o documento escrito de outorga de poderes representativos (a
procuração) o meio idóneo de prova de tal acto (e, por via dele, e por regra,
do contrato de mandato) o que está em causa na procuração por via da falsidade
da assinatura de quem, através dela, confere poderes de representação é, por um
lado, a verdade intrínseca do
documento enquanto tal, ou seja, enquanto (prova da) declaração de
vontade de outorga de poderes por parte do mandante e, por outro, a certeza e a segurança do tráfico jurídico.
Isto
porque a assinatura é a assunção (e a prova) da autoria da declaração.
Mas se
bem atentarmos, para o Processo Civil, a questão da autoria da assinatura da
procuração forense só releva para comprovar, perante o tribunal e perante quem
for demandado ou intervier no processo, que a actuação desenvolvida pelo
mandatário corresponde à vontade da pessoa que na procuração figura como
mandante.
Ora, se a questão da autoria da assinatura do mandante se
suscita, o que fica em causa é a correspondência da actuação do mandatário à
vontade do mandante.
O que, in extremis e no pressuposto da
ulterior demonstração da falsidade dessa assinatura redunda na eventualidade de
falta de procuração.
Logo, o eventual vício da procuração por assinatura que venha
a ter-se por falsificada reconduz-se, não à irregularidade, mas à falta da
procuração.
Com
efeito, se não foi o titular do direito quem, voluntariamente, atribuiu poderes
representativos, rigorosamente – entendendo-se este “rigorosamente” no sentido de restrito ao processo - não há
procuração, porque a procuração é um acto de vontade unilateral; o escrito ou
papel exibido como procuração é nulo e ineficaz, não vinculando a parte que,
supostamente e como tal, se apresenta perante o Tribunal.
Ora, a falta de procuração pode ser suscitada em qualquer altura do processo, pela
parte contrária ou oficiosamente (art. 48º nº1 CPC)».
Ver
o Ac. STJ de 15/05/2014
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