Deixo aqui o
registo de algumas partes do Livro de Fernando Dacosta, Viagens Pagãs. Uma
viagem com destino a Sagres num veleiro que nunca deixou a marina, com dois
sonhadores…
Portugal é um oásis...
«Sob o vento de feição, o belo veleiro entra
no Atlântico.
A barra do Tejo rapidamente fica para trás.
Saboreando a maresia, (…)
O fascínio pelo oceano nasceu connosco, povo
de beira-água e beira-mistério, irreversivelmente condicionado por ele na maneira
de pensar, de estar, de imaginar, de amar.
(…)
Com o tempo, o Norte tornou-se-nos, porém, o
Sul. Foi, com efeito, para baixo, para o centro dos mapas, que nos dirigimos:
Tejo e Algarve, Magrebe e Equador, Oriente e Ocidente.
Cedo percebemos que as estradas romanas,
vindas da Europa, terminavam na nossa costa; que o Atlântico era o seu limite,
a Lusitânia o seu finis terrae.
Foi então que surgiu o sonho de as
continuarmos sobre as águas, de outra maneira.
(…) Caldeados pelos que tocámos, pelos que
nos tocaram – celtas, suevos, visigodos, fenícios, cartagineses, romanos,
mouros, hebreus -, deixámos de caber num imaginário, num sonho, numa região,
numa filosofia, num território, num continente, numa raça, numa família, num
sexo só. (…)
O idealismo grego-latino, o Direito Romano,
a audácia nórdica, o messianismo hebraico, o fatalismo islâmico, o conhecimento
templário (a que se juntam a languidez africana, o requebro brasileiro, a
sabedoria oriental) deram-nos tonalidades irrepetíveis.
(…) «Portugal é um oásis, uma ilha, rodeado
de um lado pelo deserto, do outro pelo oceano. Nós, seus habitantes, ficamos
prisioneiros, oscilando entre a aventura fora e a passividade dentro, ou
vivendo a aventura pela imaginação sem sair do mesmo lugar. Daí o sentirmo-nos
entre o “orgulhosamente sós” e o “Europa connosco”. Daí o inferiorizarmo-nos, o
considerarmo-nos ínfimos, sem cultura própria perante o estrangeiro, ou o
desafiarmos o mundo para o conduzir. Daí a melancolia do estar onde não se
está, de viver num sítio e num tempo com o corpo, e noutro com a imaginação»,
sublinha António José Saraiva.
Fernando Dacosta, Viagens Pagãs
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