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quinta-feira, 6 de junho de 2024

 Regime de exclusividade com 42 horas semanais. Carreira especial médica. Pressupostos de atribuição e cessação (Regime previsto no Dl n.º 73/90 atualmente revogado). Responsabilidade civil extracontratual do Estado

 O DL n.º 73/90 de 06/03 1 teve poucas alterações e esteve em vigor durante muitos anos e por isso ainda é com alguma frequência que surgem conflitos judiciais a correr nos Tribunais Administrativos o que justifica a sua abordagem.

Aborda-se o tema numa perspetiva de responsabilidade civil pelo incumprimento das normas referentes à carga horária semanal no caso concreto do regime de dedicação exclusiva com 42 horas semanais e a confusão que se criou com a publicação de dois diplomas legais referentes à carga horária de trabalho semanal na Administração Pública.

 Regime de tempo de trabalho aplicável aos médicos com contratos de trabalho em funções públicas inseridos no SNS

No que respeita à carga horária dos médicos da carreira especial (vinculados à AP por contrato de trabalho em funções públicas) de forma sumária, dir-se-á que a revisão do tempo de trabalho prevista no DL n.º 177/2009 traduziu-se no seguinte: o período normal de trabalho passou a ser de 40 horas semanais; e no que reporta ao regime transitório, os médicos por opção transitavam para as 40 horas semanais ou seja, as modalidades de horários ao abrigo do DL n.º 73/90 mantinham-se em vigor se não existisse intervenção do interessado no sentido de alterar a carga horária praticada. 2

A possibilidade da manutenção de direitos adquiridos no âmbito da dedicação exclusiva com 42 horas incluía a regra da redução da carga horária semanal conforme disposição legal: os médicos com idade superior a 55 anos de idade em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos 5 anos, com 42 horas/s, continuam a poder usufruir, sem perda de regalias da redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho até perfazer às 35 horas semanais. 3

O regime previsto no DL n.º 73/90 identificava duas modalidades de regime de trabalho: o tempo completo a corresponder às 35 horas semanais e a dedicação exclusiva corresponder às 42 horas semanais. Este regime eram exclusivo das carreiras de clínica geral e hospitalar. 4

 A atribuição do regime de dedicação exclusiva dependia de dois pressupostos essenciais:

- Intervenção do trabalhador no sentido de manifestar disponibilidade para prestar atividade em serviço de urgência ou consulta externa pelo período mínimo de cinco anos;

- Comprovado interesse público

A manutenção do exercício profissional em exclusividade com 42 horas implicava a manutenção dos pressupostos que lhe deram origem anteriormente identificados.

Já, a cessação deste regime operava da seguinte forma: 5

- Intervenção da entidade empregadora - deficiente cumprimento das obrigações do médico;

- Intervenção do médico – vontade de fazer cessar aquele regime com aviso prévio de 60 dias, sem prejuízo do compromisso assumido do exercício profissional ser de pelo menos 5 anos.

Do regime assim instituído, dir-se-ia que a entidade empregadora só o podia fazer cessar em duas situações específicas: incumprimento/cumprimento defeituoso das obrigações por parte do médico ou alterações das circunstancias de facto, tal como, o médico deixar de prestar efetivamente funções no serviço de urgência ou nas consultas externas.

Quer isto dizer que, nos casos de mobilidade o médico manteria o direito da exercer o mesmo regime desde que, se tenha mantido a prestação de atividade em serviços de urgência ou consulta externa. O regime da exclusividade com 42 horas assente no principio do interesse público inerente as exigências funcionais do serviço de urgência e da consulta externa.

Assim, qualquer decisão da entidade empregadora em fazer cessar o regime de exclusividade fora dos motivos legalmente previstos consubstancia incumprimento da entidade empregadora.

 

Efeitos da alteração prevista no L n.º 68/2013, de 29/08 e do L n.º 18/2016. Erro interpretativo

A carga horária na Administração Pública foi objeto de duas alterações com a publicação da L n.º 68/2013 e da L n.º 18/2016.

 O primeiro diploma estabelecia a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas com a carga horaria de 40 horas semanais e o segundo veio a consagrar 35 horas semanais, revogando o regime anterior.

A questão que se coloca é saber se estes diplomas têm implicações na carga horária semanal dos médicos. A pergunta tem razão de ser pelo facto de terem existido instituições que entenderam aplicar os diplomas à carreira especial médica.

A resposta é negativa. Este erro interpretativo tem consequências legais de natureza económica. A explicação é simples.

Desde logo, não se deve confundir duas carreiras distintas em que uma reporta a carreira de regime geral e a outra reporta a carreira especial. As normas do regime geral têm caráter subsidiário face ao regime especial, o qul se inclui o regime da carreira médica especial.

Por outro lado, o próprio diploma no seu art. 2.º a dispor, “o disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio». O mesmo se diga do diploma de 2016.

Deste modo, não margem para dúvidas sobre a não aplicabilidade do regime geral à carreira especial médica.

Desta forma, não pode a entidade empregadora pública justificar que as horas efetuadas por um médico para além das 40 horas semanais ou 35 h/s são consideradas trabalho extraordinário e que não tendo sido autorizadas não tem a obrigação de as pagar.

Quer isto dizer, que a entidade empregadora ao não pagar o valor correspondente a exclusividade com 42 horas está a incorrer em incumprimento.

 

Cessação do regime da exclusividade com 42 horas por iniciativa do empregador público

Aqui chegados, coloca-se ainda outra questão, que é de saber se o regime de exclusividade com 42 horas plena pode cessar mesmo que se mantenha os respetivos pressupostos e se a resposta for em sentido negativo quais os direitos dos profissionais.

Como já foi oportuno explicar, a manutenção do regime de exclusividade com 42 horas não cessa enquanto se mantiverem os seus pressupostos não podendo a entidade empregadora deixar de observar os pedidos da redução da carga horária de médico com idade superior a 55 anos.

Assente que o médico em exclusividade com 42 horas tem de prestar 42 horas semanais e ao perfazer os 55 anos de idade pode requerer a redução de uma hora por cada ano de trabalho até chegar as 35 horas semanais, a entidade empregadora entra em incumprimento quando nega esse direito.

O incumprimento da entidade empregadora implica o direito à compensação. O direito à compensação pelo trabalho prestado para além das 35 horas de trabalho semanal. Ou seja, o médico deve receber as diferenças remuneratórias a corresponder ao regime das 42 h/semanais em relação as 35 horas que lhe foram pagas.

De salientar ainda, o direito à redução de uma hora por cada ano de trabalho no regime de exclusividade com 42 horas.

Já se teve a oportunidade de salientar que esta modalidade de horário permitia que o médico com mais 55 anos de idade pudesse reduzir uma hora por cada ano até atingir as 35 horas sem redução da remuneração. Bastava requerer. Tendo o médico direito à redução das horas com referencia as 42 horas semanais e tendo esse direito sido indeferido por a entidade empregadora entender que o médico por efeito legal estava abrangido ao regime das 35 horas basta que se prove que o médico prestou as 42 horas para que se verifique um dano na esfera jurídica do trabalhador.

Indeferimento da redução de horário e a responsabilidade civil extracontratual do Estado

Por cada pedido de redução de horário e respetivo indeferimento constituem um ato jurídico ilícito, já que, cada indeferimento consubstancia uma decisão contrária ao direito.

Assim, sob o ponto de vista da responsabilidade civil por ato de Administração, basta que se verifique o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano. Ora, se da aplicação correta do regime levaria a que o médico trabalhasse no primeiro ano menos uma hora, no segundo ano menos duas horas e assim sucessivamente, tendo este prestado o horário sem a devida redução houve um prejuízo patrimonial.

O prejuízo patrimonial deve ser valorado tendo como referencial o valor hora da remuneração atribuída ao regime de exclusividade com 42 horas que mais não é do que o correspondente ao valor do enriquecimento que a entidade empregadora obteve.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado a L n.º 67/2007, de 31/12, estabelece a presunção de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos. 6

 Em suma, sempre que a Administração Pública vede ao trabalhador um direito consagrado na lei por uma errada interpretação das normas vigentes fica obrigado a indemnizar desde que estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

 

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1.      Alterações ao DL n.º 73/90, de 06/03: DL n.º 412/99, de 01/11/90, DL n.º 44/2007, de 23/02. DL n.º 177/2009, de 04/08 - Estabelece o regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e revogou o DL n.º 73/90, de 06/03, com a com exceção dos n.os 5 a 9 e 11 a 14 do artigo 24.º e dos n.os 5 a 16 do artigo 31.º os quais se mantêm em vigor, na medida em que regulem situações não previstas no novo regime e até à entrada em vigor do IRC. Decreto-Lei n.º 266-D/2012 de 31 de dezembro que entrou em vigor a 01/01/2013 revogado com interesse para a questão que se aborda o artigo 32.º do Dl n.º 177/2009, «Artigo 32.º Norma transitória 1 — Os médicos transitam para a carreira especial médica nos termos previstos no artigo 28.º do presente decreto -lei. 2 — Os médicos que não pretendam manter o respetivo regime de horário de trabalho atualmente em vigor podem requerer ao presidente do órgão de administração do estabelecimento onde prestem funções, por escrito, a todo o tempo, com produção automática de efeitos, a transição para o regime previsto no artigo 20.º do presente decreto -lei. 3 — Caso não efetuem a opção prevista no número anterior, os médicos mantêm o respetivo regime de trabalho, remunerações e direitos inerentes, conforme os seguintes regimes de trabalho: a) 35 horas semanais sem dedicação exclusiva; b) 35 horas semanais, com dedicação exclusiva; c) 42 horas semanais; d) 35 horas semanais, sem dedicação exclusiva com disponibilidade permanente; e) 35 horas semanais, com dedicação exclusiva e disponibilidade permanente.»

2.      Aplicação do art. 24.º e 31.º e 39.º do DL n.º 73/90.

3.       Art. 31.º n.º 15 do DL n.º 73/90: «Os médicos com idade superior a 55 anos e que trabalhem em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos, cinco anos, com horário de 42 horas por semana, será concedida, se a requererem, redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho semanal, até que o mesmo perfaça as 35 horas semanais, sem perda de regalias.»

4.       Art. 9.º do Dl n.º 73/90, que foi revogado pelo art. 36.º do Dl n.º 177/2009 em vigor a 09/08/2009 e o art. 1.º do Dl n.º 93/2011 que repristinou o art. 9.º, em vigor a 02/08/2011.

5.      Art. 31.º n.º 4 do DL n.º 73/90 com a alteração introduzida pelo DL n.º 412/99, de 15.10.

6.      Art. 10.º n.º 2 da L n.º 67/2007, de 31712, o que permite concluir pela presença de um outro requisito de responsabilidade civil extracontratual. 

 


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