Aqui fica a opinião publicada no Jornal Público de 11/03/2018, de Pacheco Pereira, - O perigo para a democracia das pessoas muito bem "informadas", porque essencialmente se fala de ética e sigilo profissional.
«Vamos
considerar um tipo especial de informação, não a que vem nos jornais, mas a
que, se fôssemos jogadores na bolsa, permitiria aquilo a que se chama “insider
trading”, o que é um crime. A definição canónica é qualquer coisa como
isto: “O uso de informação relevante, ainda não divulgada, ‘por qualquer pessoa
que a ela tenha tido acesso’, com o objectivo de auferir lucro ou vantagem no
mercado, para si ou para outrem.” O mercado de que aqui estamos a falar inclui
a bolsa, mas é essencialmente outro: é o mercado do poder na elite política,
económica, social, naquilo a que tenho chamado o “círculo de confiança”, o
grupo de pessoas que manda em Portugal, pelo dinheiro, pela influência, por
estar no lugar certo na altura certa, mas acima de tudo pelo que sabe sobre
quase tudo o que importa, aquilo que sabe sobre nós, e nós não sabemos ou
queremos ou permitimos que se saiba. Não é evidentemente dos que denunciam
anonimamente abusos e crimes, os chamados “whistleblowers”.
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Na
parte de baixo desta cadeia alimentar está a pequena corrupção pela compra da
informação, desde o funcionário de uma autarquia que sabe quando um processo
vai a uma reunião e informa o interessado, como se fosse um grande segredo, ou
o que se está a passar no futebol. O caso dos nossos dias envolve um clube, mas
duvido que não seja uma prática generalizada por todo o mundo de milhões que é
o futebol e os grandes clubes. Pode ser pela pequena corrupção, mas é também
pelo clubismo que ajuda a “passar” informações mesmo sem contrapartida, pela
ligação promíscua de agentes judiciais, técnicos de informática ou dos
impostos, polícias e magistrados com círculos deste poder. Que aí há corrupção
ou insider trading generalizado é um segredo de Polichinelo.
Desde as redacções de jornais que têm acesso a fugas de informação tão
sistemáticas que não podem ser pontuais, nem gratuitas, até comentadores que
podem dar informação privilegiada ou porque lhes é transmitida para ser
divulgada dessa forma não atribuída, mas que se percebe que só pode ter vindo
ou de advocacia de negócios ou de entidades que pretendem aí obter benefício,
como, por exemplo, o Banco de Portugal.
(…)
O
Estado facilita esta circulação indevida de informação, recolhendo-a em claro
abuso de qualquer regra de necessidade, através do fisco ou de um sistema
bancário que é hoje altamente intrusivo da privacidade. É tudo em nome de boas
causas, seja a do pagamento dos impostos devidos, seja na luta contra o
branqueamento de capitais.
(…)
Mas
quem pensa que a procura sistemática de informações se limita à espionagem
política ou policial está muito enganado. O público comum não os vê, e a
comunicação social dá-lhes pequeno relevo mesmo quando lhes tem ou pode ter
acesso, mas existem boletins confidenciais com assinaturas de montante muito
elevado, com pequena circulação, que fornecem a uma elite que os pode comprar
ou ter-lhes acesso, informação privilegiada que nalgum sítio foi indevidamente
obtida. E quem pense que os detectives privados são contratados apenas para
casos de divórcio está bem enganado. (…)
Este
tipo de informações — reservadas, confidenciais, discretas, secretas — são de
um enorme valor. Ter essas informações é em si mesmo uma enorme vantagem. Volto
ao mesmo: uma das razões por que tenho chamado a atenção sobre o “círculo de
confiança” que existe e manda em Portugal, muito para além da democracia
parlamentar e da governação, é que uma das características da sua pertença e
dos seus membros é o acesso a uma vastíssima informação que, por sua vez,
coloca o seu detentor em condições de ainda obter mais informações pelos cargos
de “confiança” a que acede.
(…)
Há por isso transições de lugar para lugar que são muito perigosas (…) A
informação aqui vale ouro.
Contra
ele só conheço uma arma, a que eles mais temem: a luz. A luz do debate público
e... das informações sobre os abusos das pessoas demasiado bem “informadas”.
Mas a verdade é que são eles também quem escolhe diretores de jornais, editores
da rádio e televisão e têm o enorme poder de decidir o que pode ser dito e o
que não pode».
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