«A lei portuguesa define o contrato de transporte
rodoviário de mercadorias como o contrato celebrado entre expedidor e
transportador, no qual o transportador se obriga perante o primeiro a deslocar
uma determinada mercadoria, por meio rodoviário, entre locais situados em
território nacional e a entregá-las ao destinatário.
O contrato de transporte é concebido como um contrato
bilateral, celebrado entre expedidor e transportador. Todavia, no contrato de
transporte de mercadorias normalmente surge uma terceira referência subjetiva -
o destinatário. Há situações em que o expedidor e o destinatário coincidem na
mesma pessoa ou entidade, nomeadamente em situações em que o expedidor e o
destinatário pertençam à mesma entidade ou grupo empresarial e é celebrado um
contrato de transporte para deslocar mercadorias da sede para uma das suas
filiais. No entanto, na maioria das vezes estes dois intervenientes não são coincidentes
entre si, surgindo a questão de saber se, nesses casos, o contrato é bilateral
ou trilateral. Na medida em que este contrato gera direitos e também pode gerar
deveres para o destinatário, esta questão é relevante atendendo à existência de
alguma controvérsia em torno daquela que será a melhor orientação para cuidar
da posição jurídica do destinatário.
Atualmente existem duas teorias que tentam dar solução
ao problema defendendo a primeira delas que o regime do contrato a favor de
terceiro é suficiente para salvaguardar a posição do destinatário e que este
deve ser considerado beneficiário do contrato de transporte celebrado entre o
expedidor e o transportador.
Para estes, o contrato a favor de terceiro é o regime
que melhor se adequa, pois permite ao destinatário adquirir o direito à
mercadoria ab initio e
permite-lhe exigir o cumprimento ao transportador, entre outros direitos.
Refere Cunha Gonçalves que o expedidor ao contratar o
transporte faz sempre uma estipulação a favor de terceiro, pelo que o
destinatário adquire o direito à mercadoria sem aceitação prévia da sua parte.
Também para
Nuno Bastos o regime deste contrato assegura de forma suficiente os direitos do
destinatário, superando as desvantagens de outros regimes como a cessão de
créditos, a novação, a representação ou a gestão de negócios.
Por outro lado, Costeira da Rocha, no que é seguido
pela maior parte da jurisprudência, defende que o contrato de transporte de
mercadorias deve ser considerado como um contrato trilateral. Na verdade, para
este autor, embora o contrato de transporte de mercadorias se apresente inicialmente
como um contrato bilateral, existe a expectativa de que o destinatário venha a
aderir ao contrato, e precisamente por se verificar a adesão do destinatário ao
contrato num momento posterior à sua celebração, este deve caracterizar-se como
um “contrato trilateral assíncrono”.
Refere-se ainda que neste entendimento que com a adesão do
destinatário, este deixa de ser um terceiro e passa a ser parte do contrato.
Também para Leite de Campos, o contrato de transporte de mercadorias não deve
ser enquadrado no regime do contrato a favor de terceiro.
Note-se que ao lado do contrato de transporte, regra
geral, existe uma relação subjacente entre expedidor e destinatário, muitas
vezes um contrato de compra e venda, embora possa tratar-se de outro tipo de
contrato. De facto, o contrato de transporte surge frequentemente como uma
obrigação contratual gerada pelo contrato celebrado entre o expedidor e o
destinatário, pois como referimos, usualmente estes dois intervenientes não
coincidem na mesma pessoa. Trata-se de tipo contratual bem caracterizado, que
dispõe de autonomia em relação aos negócios jurídicos subjacentes, de modo que
subsistem suas vinculações, independentemente do negócio jurídico que deu
origem à sua realização. Nesse sentido, é certo dizer que, “apesar de
independentes, existe uma complementaridade funcional entre o contrato de
transporte e a relação que lhe subjaz, normalmente um contrato de compra e
venda”.
Assim, o contrato de transporte é totalmente autónomo
em relação ao negócio jurídico subjacente que lhe deu causa, tendo como objecto
exclusivamente a deslocação da mercadoria de um local para outro, de modo que
qualquer vício ou circunstância do negócio jurídico primitivo não tem a
virtualidade de macular a regularidade e os efeitos do contrato de transporte
subsequente. Logo, não existe confusão entre a actividade económica que dá
origem à necessidade do negócio de transporte (compra e venda, por exemplo) e o
próprio contrato de transporte. Não obstante vinculados, são independentes.
Como vimos, não é pois necessário no caso do
destinatário da mercadoria o recurso a qualquer figura geral de sub-rogação do
credor ao devedor para fazer intervir aquele na defesa dos seus direitos junto
do transportador (…)».
Consultar o Ac. TR
Coimbra de 16/12/2015.
Obrigado pelos seus ensinamentos.
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