Ac.
Do T Constitucional n.º 770/2014, de 06/02/2015,
pronunciou-se sobre a inconstitucionalidade da al. b) do n.º1 e no n.º 2 do
art. 824.º do CPC, no que respeita a «na parte em que permite a penhora até 1/3
das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens
penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia
social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional
mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de
férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele
montante», considerando «não julgar inconstitucional», tal
entendimento.
Em sede de
Declaração de Voto, temos alguns argumentos em sentido contrário, que pelo seu
interesse transcrevo: «O direito do credor à satisfação do
seu crédito à custa do património do devedor, enquanto direito de conteúdo
patrimonial, tutelado pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, encontra -se
limitado pelo direito fundamental de qualquer pessoa a um mínimo de
subsistência condigna, o qual se extrai do princípio da dignidade da pessoa
humana condensado no artigo 1.º da Constituição. Daí que a penhora de bens ou
rendimentos do devedor para satisfação do direito do credor não possa privar
aquele dos recursos que dispõe para viver com o mínimo de dignidade. Para
superar as dificuldades da determinação do que é o mínimo necessário a uma
subsistência condigna, o Tribunal Constitucional, relativamente aos rendimentos
auferidos periodicamente, impôs a impenhorabilidade das prestações periódicas,
pagas a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja
superior ao salário mínimo nacional, quando o executado não é titular de outros
bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda (Acórdão n.º
177/02, acessível em www.tribunal constitucional.pt). Aproveitou -se, assim, o
facto do salário mínimo nacional conter em si a ideia de que é a remuneração
básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela
sobrevivência digna do trabalhador e por ter sido concebido como o “mínimo dos
mínimos”, para utilizar esse valor, sujeito a atualizações, como aquele, a
partir do qual, qualquer afetação porá em risco a subsistência condigna de quem
vive de uma qualquer prestação periódica. No caso das pensões pagas mensalmente
com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que
salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando
estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos
meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com
o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite
que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do
direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não
deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular. Não é o
momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência
condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite
adquirir os meios necessários a essa subsistência. Aliás, quando o Tribunal
Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para
determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que
o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação
do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas
prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o
valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser
estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela
sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações
periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado
dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua
subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados
outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido
mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros
rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento
periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais. Daí
que tenha defendido que a interpretação sindicada deveria ser julgada
inconstitucional por violação do direito fundamental de qualquer pessoa a um
mínimo de subsistência condigna, o qual se extrai do princípio da dignidade da
pessoa humana condensado no artigo 1.º da Constituição.
Declaração
de Voto, Conselheiro, João Cura Mariano.
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