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segunda-feira, 24 de junho de 2024

 Despedimento. Conceito de justa causa: nexo de “imediação” logica e nexo “cronológico”

O conceito de justa causa está formulado no n.º 1 do art. 351.º do CT, e traduz-se num comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

O artigo apresenta um conjunto de factos que consubstanciam “justa causa” a título meramente exemplificativo, e por isso, outros comportamentos podem constituir “justa causa” de despedimento.

Consta no citado artigo algumas situações que podem configurar “justa causa”, a saber:

- Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

- Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

- Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

- Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

- Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

- Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

- Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

- Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

 - Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

- Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

- Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

- Reduções anormais de produtividade.

A entidade empregadora na apreciação da “justa causa” deve atender as várias circunstâncias que circunscrevem a situação de facto, designadamente, o quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros.

Portanto, o despedimento por iniciativa da entidade empregadora por facto imputável ao trabalhador (culpa do trabalhador) tem sempre subjacente a – justa causa compatibilizando-se com a proibição de despedimentos sem justa causa enquanto garantia do trabalhador – art. 338.º do CT/2009.

Assim sendo, o despedimento por facto imputável ao trabalhador (art. 351.º) impõe que a situação de facto seja subsumível na cláusula geral (n.º 1) sendo esta aferida nos termos do n.º 3.

Dito de outro modo e seguindo-se a doutrina e jurisprudência, a conceito de justa causa exige a presença de quatro requisitos:

- Que exista um comportamento culposo do trabalhador – elemento de natureza subjetiva:

- Impossibilidade de subsistência da relação laboral – elemento de natureza objetiva;

- Nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, deve estar presente um nexo de “imediação” logica conforme expressa a lei - comportamento que torne imediatamente impossível , isto é, um nexo cronológico que demonstre em concreto que a impossibilidade da manutenção do vínculo é imediata sem a possibilidade de se protelar no tempo, sob pena de se perder o efeito prático que se pretende com a norma.

Este último requisito é facilmente percetível com o seguinte exemplo: o (A) praticou determinado facto que colocaria em causa o vínculo laboral mas a entidade empregadora mesmo sabendo dos factos /gravidade decide reagir passados seis meses após o conhecimento dos factos. A inercia da entidade empregadora é contrária a imposição legal que se traduz numa reação imediata, conforme resulta do instituto da caducidade que obriga ao empregador agir nos 60 dias após o conhecimento da infração pelo empregador ou quando a falta de reação superar os 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, (352.º do CT/2009) ou ainda, se não proferir a decisão de despedimento no prazo de 30 dias, após a receção dos parecer prévios exigidos nos termos do n.º 5 do art. 356.º do CT/2009.

Assim, sempre que sejam ultrapassados os prazos previstos na lei, ficando a ideia de ter existido inercia por parte da entidade empregadora em agir disciplinarmente contra o trabalhador em tempo útil, o contrato de trabalho mantem-se e por isso perde-se a “reação imediata” presente no conceito de “justa causa” e por conseguinte não é possível argumentar-se a “existência de crise contratual” para se concluir pela “impossibilidade de manutenção do vínculo laboral”.

Aqui chegados, para o sucesso de um processo disciplinar com vista ao despedimento é de extrema importância conferir a presença de todos os elementos que pressupõem o conceito de “justa causa”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 6 de junho de 2024

 Regime de exclusividade com 42 horas semanais. Carreira especial médica. Pressupostos de atribuição e cessação (Regime previsto no Dl n.º 73/90 atualmente revogado). Responsabilidade civil extracontratual do Estado

 O DL n.º 73/90 de 06/03 1 teve poucas alterações e esteve em vigor durante muitos anos e por isso ainda é com alguma frequência que surgem conflitos judiciais a correr nos Tribunais Administrativos o que justifica a sua abordagem.

Aborda-se o tema numa perspetiva de responsabilidade civil pelo incumprimento das normas referentes à carga horária semanal no caso concreto do regime de dedicação exclusiva com 42 horas semanais e a confusão que se criou com a publicação de dois diplomas legais referentes à carga horária de trabalho semanal na Administração Pública.

 Regime de tempo de trabalho aplicável aos médicos com contratos de trabalho em funções públicas inseridos no SNS

No que respeita à carga horária dos médicos da carreira especial (vinculados à AP por contrato de trabalho em funções públicas) de forma sumária, dir-se-á que a revisão do tempo de trabalho prevista no DL n.º 177/2009 traduziu-se no seguinte: o período normal de trabalho passou a ser de 40 horas semanais; e no que reporta ao regime transitório, os médicos por opção transitavam para as 40 horas semanais ou seja, as modalidades de horários ao abrigo do DL n.º 73/90 mantinham-se em vigor se não existisse intervenção do interessado no sentido de alterar a carga horária praticada. 2

A possibilidade da manutenção de direitos adquiridos no âmbito da dedicação exclusiva com 42 horas incluía a regra da redução da carga horária semanal conforme disposição legal: os médicos com idade superior a 55 anos de idade em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos 5 anos, com 42 horas/s, continuam a poder usufruir, sem perda de regalias da redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho até perfazer às 35 horas semanais. 3

O regime previsto no DL n.º 73/90 identificava duas modalidades de regime de trabalho: o tempo completo a corresponder às 35 horas semanais e a dedicação exclusiva corresponder às 42 horas semanais. Este regime eram exclusivo das carreiras de clínica geral e hospitalar. 4

 A atribuição do regime de dedicação exclusiva dependia de dois pressupostos essenciais:

- Intervenção do trabalhador no sentido de manifestar disponibilidade para prestar atividade em serviço de urgência ou consulta externa pelo período mínimo de cinco anos;

- Comprovado interesse público

A manutenção do exercício profissional em exclusividade com 42 horas implicava a manutenção dos pressupostos que lhe deram origem anteriormente identificados.

Já, a cessação deste regime operava da seguinte forma: 5

- Intervenção da entidade empregadora - deficiente cumprimento das obrigações do médico;

- Intervenção do médico – vontade de fazer cessar aquele regime com aviso prévio de 60 dias, sem prejuízo do compromisso assumido do exercício profissional ser de pelo menos 5 anos.

Do regime assim instituído, dir-se-ia que a entidade empregadora só o podia fazer cessar em duas situações específicas: incumprimento/cumprimento defeituoso das obrigações por parte do médico ou alterações das circunstancias de facto, tal como, o médico deixar de prestar efetivamente funções no serviço de urgência ou nas consultas externas.

Quer isto dizer que, nos casos de mobilidade o médico manteria o direito da exercer o mesmo regime desde que, se tenha mantido a prestação de atividade em serviços de urgência ou consulta externa. O regime da exclusividade com 42 horas assente no principio do interesse público inerente as exigências funcionais do serviço de urgência e da consulta externa.

Assim, qualquer decisão da entidade empregadora em fazer cessar o regime de exclusividade fora dos motivos legalmente previstos consubstancia incumprimento da entidade empregadora.

 

Efeitos da alteração prevista no L n.º 68/2013, de 29/08 e do L n.º 18/2016. Erro interpretativo

A carga horária na Administração Pública foi objeto de duas alterações com a publicação da L n.º 68/2013 e da L n.º 18/2016.

 O primeiro diploma estabelecia a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas com a carga horaria de 40 horas semanais e o segundo veio a consagrar 35 horas semanais, revogando o regime anterior.

A questão que se coloca é saber se estes diplomas têm implicações na carga horária semanal dos médicos. A pergunta tem razão de ser pelo facto de terem existido instituições que entenderam aplicar os diplomas à carreira especial médica.

A resposta é negativa. Este erro interpretativo tem consequências legais de natureza económica. A explicação é simples.

Desde logo, não se deve confundir duas carreiras distintas em que uma reporta a carreira de regime geral e a outra reporta a carreira especial. As normas do regime geral têm caráter subsidiário face ao regime especial, o qul se inclui o regime da carreira médica especial.

Por outro lado, o próprio diploma no seu art. 2.º a dispor, “o disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio». O mesmo se diga do diploma de 2016.

Deste modo, não margem para dúvidas sobre a não aplicabilidade do regime geral à carreira especial médica.

Desta forma, não pode a entidade empregadora pública justificar que as horas efetuadas por um médico para além das 40 horas semanais ou 35 h/s são consideradas trabalho extraordinário e que não tendo sido autorizadas não tem a obrigação de as pagar.

Quer isto dizer, que a entidade empregadora ao não pagar o valor correspondente a exclusividade com 42 horas está a incorrer em incumprimento.

 

Cessação do regime da exclusividade com 42 horas por iniciativa do empregador público

Aqui chegados, coloca-se ainda outra questão, que é de saber se o regime de exclusividade com 42 horas plena pode cessar mesmo que se mantenha os respetivos pressupostos e se a resposta for em sentido negativo quais os direitos dos profissionais.

Como já foi oportuno explicar, a manutenção do regime de exclusividade com 42 horas não cessa enquanto se mantiverem os seus pressupostos não podendo a entidade empregadora deixar de observar os pedidos da redução da carga horária de médico com idade superior a 55 anos.

Assente que o médico em exclusividade com 42 horas tem de prestar 42 horas semanais e ao perfazer os 55 anos de idade pode requerer a redução de uma hora por cada ano de trabalho até chegar as 35 horas semanais, a entidade empregadora entra em incumprimento quando nega esse direito.

O incumprimento da entidade empregadora implica o direito à compensação. O direito à compensação pelo trabalho prestado para além das 35 horas de trabalho semanal. Ou seja, o médico deve receber as diferenças remuneratórias a corresponder ao regime das 42 h/semanais em relação as 35 horas que lhe foram pagas.

De salientar ainda, o direito à redução de uma hora por cada ano de trabalho no regime de exclusividade com 42 horas.

Já se teve a oportunidade de salientar que esta modalidade de horário permitia que o médico com mais 55 anos de idade pudesse reduzir uma hora por cada ano até atingir as 35 horas sem redução da remuneração. Bastava requerer. Tendo o médico direito à redução das horas com referencia as 42 horas semanais e tendo esse direito sido indeferido por a entidade empregadora entender que o médico por efeito legal estava abrangido ao regime das 35 horas basta que se prove que o médico prestou as 42 horas para que se verifique um dano na esfera jurídica do trabalhador.

Indeferimento da redução de horário e a responsabilidade civil extracontratual do Estado

Por cada pedido de redução de horário e respetivo indeferimento constituem um ato jurídico ilícito, já que, cada indeferimento consubstancia uma decisão contrária ao direito.

Assim, sob o ponto de vista da responsabilidade civil por ato de Administração, basta que se verifique o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano. Ora, se da aplicação correta do regime levaria a que o médico trabalhasse no primeiro ano menos uma hora, no segundo ano menos duas horas e assim sucessivamente, tendo este prestado o horário sem a devida redução houve um prejuízo patrimonial.

O prejuízo patrimonial deve ser valorado tendo como referencial o valor hora da remuneração atribuída ao regime de exclusividade com 42 horas que mais não é do que o correspondente ao valor do enriquecimento que a entidade empregadora obteve.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado a L n.º 67/2007, de 31/12, estabelece a presunção de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos. 6

 Em suma, sempre que a Administração Pública vede ao trabalhador um direito consagrado na lei por uma errada interpretação das normas vigentes fica obrigado a indemnizar desde que estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

 

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1.      Alterações ao DL n.º 73/90, de 06/03: DL n.º 412/99, de 01/11/90, DL n.º 44/2007, de 23/02. DL n.º 177/2009, de 04/08 - Estabelece o regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e revogou o DL n.º 73/90, de 06/03, com a com exceção dos n.os 5 a 9 e 11 a 14 do artigo 24.º e dos n.os 5 a 16 do artigo 31.º os quais se mantêm em vigor, na medida em que regulem situações não previstas no novo regime e até à entrada em vigor do IRC. Decreto-Lei n.º 266-D/2012 de 31 de dezembro que entrou em vigor a 01/01/2013 revogado com interesse para a questão que se aborda o artigo 32.º do Dl n.º 177/2009, «Artigo 32.º Norma transitória 1 — Os médicos transitam para a carreira especial médica nos termos previstos no artigo 28.º do presente decreto -lei. 2 — Os médicos que não pretendam manter o respetivo regime de horário de trabalho atualmente em vigor podem requerer ao presidente do órgão de administração do estabelecimento onde prestem funções, por escrito, a todo o tempo, com produção automática de efeitos, a transição para o regime previsto no artigo 20.º do presente decreto -lei. 3 — Caso não efetuem a opção prevista no número anterior, os médicos mantêm o respetivo regime de trabalho, remunerações e direitos inerentes, conforme os seguintes regimes de trabalho: a) 35 horas semanais sem dedicação exclusiva; b) 35 horas semanais, com dedicação exclusiva; c) 42 horas semanais; d) 35 horas semanais, sem dedicação exclusiva com disponibilidade permanente; e) 35 horas semanais, com dedicação exclusiva e disponibilidade permanente.»

2.      Aplicação do art. 24.º e 31.º e 39.º do DL n.º 73/90.

3.       Art. 31.º n.º 15 do DL n.º 73/90: «Os médicos com idade superior a 55 anos e que trabalhem em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos, cinco anos, com horário de 42 horas por semana, será concedida, se a requererem, redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho semanal, até que o mesmo perfaça as 35 horas semanais, sem perda de regalias.»

4.       Art. 9.º do Dl n.º 73/90, que foi revogado pelo art. 36.º do Dl n.º 177/2009 em vigor a 09/08/2009 e o art. 1.º do Dl n.º 93/2011 que repristinou o art. 9.º, em vigor a 02/08/2011.

5.      Art. 31.º n.º 4 do DL n.º 73/90 com a alteração introduzida pelo DL n.º 412/99, de 15.10.

6.      Art. 10.º n.º 2 da L n.º 67/2007, de 31712, o que permite concluir pela presença de um outro requisito de responsabilidade civil extracontratual. 

 


quarta-feira, 5 de junho de 2024

 

Reclamação de créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial. Prazo de caducidade – suspensão / interrupção

 

A lei determina que a reclamação de créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial deve ser feita no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Com a publicação da L n.º 71/2018, de 31 de dezembro ficou clarificada a questão deste prazo de caducidade ser ou não suscetível de suspensão ou interrupção, na medida em que, foi aditado o n.º 9 ao art. 2.º que se transcreve: «O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.»

Assim, tendo cessado o contrato de trabalho no dia 05/06/2024, inicia-se o prazo de contagem de um ano em 06/06/2024 (n.º1 do art. 2 do DL n.º Dl n.º 59/2015).

 Com a nova redação esse prazo suspende-se no momento do seu início por efeito da apresentação pela entidade empregadora de um requerimento de processo especial de revitalização / o processo de insolvência e reclamação dos créditos pelo trabalhador. A suspensão do prazo mantem-se até 30 dias após trânsito em julgado da decisão de insolvência.

A suspensão ou interrupção do prazo de caducidade para reclamação de créditos laborais não foi tão linear antes da entrada em vigor da L n.º 71/2018 tendo sido, aliás, objeto de algumas decisões judiciais dando-se nota da decisão do STA a fixar jurisprudência face a divergência entre duas decisões judiciais em que considerou que o prazo para reclamar os créditos laborais ao FGS era suscetível de suspensão ou interrupção.

O STJ defendeu ainda que qualquer interpretação contrária seria inconstitucional.

Para o efeito, invocou o sentido que foi dado ao n.º 9 do art. 2.º do citado diploma legal. 

O Acórdão recorrido, defendeu «que era de aplicar ao caso dos autos o prazo de caducidade de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS, contando-se o mesmo da data da entrada em vigor daquele diploma legal (ou seja, 04.05.2015).» Concluindo pela intempestividade do pedido, por considerar que o prazo para a sua apresentação tinha caducado. () O tribunal seguiu, entre outros, o Ac. STA de 03/10/2019, proc. N.º 01015/16.2BEPNF.

O Acórdão fundamento proferiu decisão no sentido de «mesmo aplicando-se ao caso o prazo de caducidade de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessara o contrato de trabalho (prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS), cabia, face à decisão do TC (acórdão n.º 328/2018) que julgara aquela norma inconstitucional, promover a sua aplicação segundo uma interpretação conforme à constituição, o que resultava na “aplicação ao caso por via interpretativa integradora” da solução entretanto introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro. De acordo com esta solução, o prazo de caducidade do direito tinha de considerar-se suspenso desde a propositura da “acção de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações”. E assim concluiu pela «tempestividade do pedido formulado pelo Requerente em 25.08.2016 (apesar de o contrato de trabalho ter cessado em 20.12.2013) e pela obrigação de o FGS apreciar o pedido.»

Em conclusão, diz-se que todas as situações anteriores à entrada em vigor do n.º 9 do art. 2.º do RFGS, o tempo de um ano para a reclamação dos créditos laboral suspendiam imediatamente na data do início da contagem do prazo, ou seja, no dia imediatamente a seguir à data da cessação do contrato de trabalho.

Na verdade, o afirmado no acórdão fundamento, teve entretanto consagração legal expressa pela alteração legislativa do NRFGS, aprovada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro.

Jurisprudência:

Ac. STA de 26/10/23, proc n.º 621/17.2BEPNF-A

O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, é susceptível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.

 

Ac. STA de 03/11/2022, PROC N.º 01315/17.4BEPRT

 As “decisões interpretativas de inconstitucionalidade”, repetidamente formulados pelo TC, da norma do nº 8 do art. 2º do DL nº 59/2015, de 21/4, «na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão», não impõem a extirpação daquela norma (com a consequente repristinação do regime pretérito – constante do revogado “Regulamento do Código de Trabalho”), mas apenas a admissibilidade de adequadas causas de suspensão/interrupção na aplicação daquele prazo de um ano, estabelecido na referida norma, para reclamação ao “Fundo de Garantia Salarial” de créditos emergentes de contratos de trabalho.

 Assim, tendo o Autor, no caso dos autos, visto cessar o seu contrato de trabalho em 1/10/2015 (em plena vigência, pois, do DL nº 59/2015), era-lhe aplicável o prazo de um ano, a contar dessa data, para requerer ao “FGS” créditos emergentes do contrato de trabalho, nos termos estabelecidos no nº 8 do art. 2º daquele diploma legal.

 Tendo o Autor apresentado requerimento ao “FGS” em 18/1/2017, fê-lo tempestivamente, pois que, embora ultrapassando o prazo de um ano (concretamente, 1 ano, 3 meses e 17 dias), deve descontar-se o período de 162 dias (cerca de 5 meses e meio) que mediou entre a instauração do processo de insolvência do empregador (em 31/5/2016) e 30 dias após a respetiva sentença declaratória (10/11/2016).

 Efetivamente, o pedido de declaração de insolvência do empregador deve ser considerado causa de suspensão do prazo (de um ano) legalmente estabelecido para reclamação ao “FGS” dos créditos, até à respetiva declaração de insolvência, como consequência direta daqueles juízos de inconstitucionalidade formuladas pelo TC, ainda que o legislador somente através da Lei nº 71/2018, de 31/12, viesse a estabelecer tal causa de suspensão em obediência a essas decisões de inconstitucionalidade.

 

Ac. STA de 03/10/2019, proc n.º 01015/16.2BEPNF 0534/18

 Com o regime do «FGS» instituído em 2015 pelo DL n.º 59/2015, manteve-se o prazo de prescrição de créditos que se encontra inserto no art. 337.º do Código de Trabalho [CT], passando o referido Fundo, em caso, nomeadamente, de insolvência do empregador, a assegurar o pagamento aos trabalhadores dos créditos emergentes de contrato de trabalho quando o pagamento lhe vier a ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho [arts. 01.º e 02.º, n.º 8, daquele novo regime.


Instituiu-se, assim, um prazo de reclamação cujo termo final se apresenta como diverso do regime até aí vigente e que constava do n.º 3 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004, dado que neste preceito se disciplinava que os créditos poderiam ser reclamados até três meses antes da respetiva prescrição e, como tal, estávamos em face de prazo «basculante» visto o respetivo termo final «oscilava» ou «pendulava» em função das intercorrências sofridas ou havidas no cômputo do prazo de prescrição.

Visto o regime normativo transitório definido no art. 03.º do DL n.º 59/2015 na sua concatenação com o demais regime legal vigente, nomeadamente o n.º 8 do art. 02.º do novo regime do «FGS» e o art. 337.º do CT, não foi propósito do legislador o de instituir ex novo e de modo generalizado um prazo de admissão de requerimentos de trabalhadores contendo pedidos de reclamação de pagamento de créditos junto do «FGS» e que este viesse ou passasse a responder, enquanto garante e com tal amplitude, independentemente ou abstraindo-nos da necessidade de aferição do decurso ou não dos prazos [prescricional ou de caducidade] e/ou com total abstração de situações constituídas.

 Quando a lei nova [«LN»] vem encurtar um prazo a ponto de, por força da entrada em vigor daquela lei, o mesmo poder ficar automaticamente prescrito ou caduco impõe-se que a contagem do novo prazo seja efetuada a partir do início de vigência da «LN» com a ressalva da parte final do n.º 1 do art. 297.º do Código Civil.

Viola o princípio da confiança ínsito no art. 02.º da CRP um entendimento que, em aplicação do quadro normativo referido em I., aceita como conforme à nossa ordem jurídica que, em aplicação da «LN» que modifica regra relativa a prazo, um trabalhador possa, por caducidade, perder o direito ao pagamento dos créditos salariais antes mesmo da entrada em vigor dessa lei e da própria data de apresentação do requerimento ou de esta mesma ser possível à luz daquela lei.

 

Ac. TC n.º  792/2022, de 17/11/22,

 Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, por violação da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.