Regime de exclusividade com 42 horas semanais.
Carreira especial médica. Pressupostos de atribuição e cessação (Regime
previsto no Dl n.º 73/90 atualmente revogado). Responsabilidade civil
extracontratual do Estado
O DL n.º 73/90 de 06/03 1 teve
poucas alterações e esteve em vigor durante muitos anos e por isso ainda é com
alguma frequência que surgem conflitos judiciais a correr nos Tribunais
Administrativos o que justifica a sua abordagem.
Aborda-se o tema numa perspetiva de
responsabilidade civil pelo incumprimento das normas referentes à carga horária
semanal no caso concreto do regime de dedicação exclusiva com 42 horas semanais
e a confusão que se criou com a publicação de dois diplomas legais referentes à
carga horária de trabalho semanal na Administração Pública.
Regime de
tempo de trabalho aplicável aos médicos com contratos de trabalho em funções
públicas inseridos no SNS
No que respeita à carga horária dos médicos da
carreira especial (vinculados à AP por contrato de trabalho em funções
públicas) de forma sumária, dir-se-á que a revisão do tempo de trabalho
prevista no DL n.º 177/2009 traduziu-se no seguinte: o período normal de
trabalho passou a ser de 40 horas semanais; e no que reporta ao regime
transitório, os médicos por opção transitavam para as 40 horas semanais ou
seja, as modalidades de horários ao abrigo do DL n.º 73/90 mantinham-se em
vigor se não existisse intervenção do interessado no sentido de alterar a carga
horária praticada. 2
A possibilidade da manutenção de direitos
adquiridos no âmbito da dedicação exclusiva com 42 horas incluía a regra da
redução da carga horária semanal conforme disposição legal: os médicos com
idade superior a 55 anos de idade em regime de dedicação exclusiva há, pelo
menos 5 anos, com 42 horas/s, continuam a poder usufruir, sem perda de regalias
da redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho até perfazer às 35
horas semanais. 3
O regime previsto no DL n.º 73/90 identificava
duas modalidades de regime de trabalho: o tempo
completo a corresponder às 35 horas semanais e a dedicação exclusiva
corresponder às 42 horas semanais. Este regime eram exclusivo das carreiras de
clínica geral e hospitalar. 4
A atribuição do regime de dedicação exclusiva
dependia de dois pressupostos essenciais:
- Intervenção do trabalhador
no sentido de manifestar disponibilidade para prestar atividade em serviço de
urgência ou consulta externa pelo período mínimo
de cinco anos;
- Comprovado interesse
público
A
manutenção do exercício profissional em exclusividade com 42 horas implicava a
manutenção dos pressupostos que lhe deram origem anteriormente identificados.
Já,
a cessação deste regime operava da seguinte forma: 5
- Intervenção
da entidade empregadora - deficiente
cumprimento das obrigações do médico;
- Intervenção do médico – vontade de fazer
cessar aquele regime com aviso prévio de 60 dias, sem prejuízo do compromisso
assumido do exercício profissional ser de pelo menos 5 anos.
Do regime assim instituído, dir-se-ia que a
entidade empregadora só o podia fazer cessar em duas situações específicas:
incumprimento/cumprimento defeituoso das obrigações por parte do médico ou
alterações das circunstancias de facto, tal como, o médico deixar de prestar
efetivamente funções no serviço de urgência ou nas consultas externas.
Quer
isto dizer que, nos casos de mobilidade o médico manteria o direito da exercer
o mesmo regime desde que, se tenha mantido a prestação de atividade em serviços
de urgência ou consulta externa. O regime da exclusividade com 42 horas assente
no principio do interesse público inerente as exigências funcionais do serviço
de urgência e da consulta externa.
Assim,
qualquer decisão da entidade empregadora em fazer cessar o regime de
exclusividade fora dos motivos legalmente previstos consubstancia incumprimento
da entidade empregadora.
Efeitos da alteração prevista
no L n.º 68/2013, de 29/08 e do L n.º 18/2016. Erro interpretativo
A
carga horária na Administração Pública foi objeto de duas alterações com a
publicação da L n.º 68/2013 e da L n.º 18/2016.
O primeiro diploma estabelecia a duração do período normal de trabalho
dos trabalhadores em funções públicas com a carga horaria de 40 horas semanais
e o segundo veio a consagrar 35 horas semanais, revogando o regime anterior.
A questão que se coloca é saber se estes diplomas têm implicações na
carga horária semanal dos médicos. A pergunta tem razão de ser pelo facto de
terem existido instituições que entenderam aplicar os diplomas à carreira
especial médica.
A resposta é negativa. Este erro interpretativo tem consequências legais
de natureza económica. A explicação é simples.
Desde
logo, não se deve confundir duas carreiras distintas em que uma reporta a
carreira de regime geral e a outra reporta a carreira especial. As normas do
regime geral têm caráter subsidiário face ao regime especial, o qul se inclui o
regime da carreira médica especial.
Por
outro lado, o próprio diploma no seu art. 2.º a dispor, “o disposto no n.º 1 não prejudica a existência
de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio». O
mesmo se diga do diploma de 2016.
Deste modo, não margem para dúvidas sobre a não
aplicabilidade do regime geral à carreira especial médica.
Desta forma, não pode a entidade empregadora pública
justificar que as horas efetuadas por um médico para além das 40 horas semanais
ou 35 h/s são consideradas trabalho extraordinário e que não tendo sido autorizadas
não tem a obrigação de as pagar.
Quer isto dizer, que a entidade empregadora ao não
pagar o valor correspondente a exclusividade com 42 horas está a incorrer em
incumprimento.
Cessação do regime da exclusividade com 42 horas por iniciativa do
empregador público
Aqui chegados, coloca-se ainda outra questão, que
é de saber se o regime de exclusividade com 42 horas plena pode cessar mesmo
que se mantenha os respetivos pressupostos e se a resposta for em sentido
negativo quais os direitos dos profissionais.
Como já foi oportuno explicar, a manutenção do
regime de exclusividade com 42 horas não cessa enquanto se mantiverem os seus
pressupostos não podendo a entidade empregadora deixar de observar os pedidos
da redução da carga horária de médico com idade superior a 55 anos.
Assente que o médico em exclusividade com 42
horas tem de prestar 42 horas semanais e ao perfazer os 55 anos de idade pode
requerer a redução de uma hora por cada ano de trabalho até chegar as 35 horas
semanais, a entidade empregadora entra em incumprimento quando nega esse
direito.
O incumprimento da entidade empregadora implica o
direito à compensação. O direito à compensação pelo trabalho prestado para além
das 35 horas de trabalho semanal. Ou seja, o médico deve receber as diferenças
remuneratórias a corresponder ao regime das 42 h/semanais em relação as 35
horas que lhe foram pagas.
De salientar ainda, o direito à redução de uma
hora por cada ano de trabalho no regime de exclusividade com 42 horas.
Já se teve a oportunidade de salientar que esta
modalidade de horário permitia que o médico com mais 55 anos de idade pudesse
reduzir uma hora por cada ano até atingir as 35 horas sem redução da remuneração.
Bastava requerer. Tendo o médico direito à redução das horas com referencia as
42 horas semanais e tendo esse direito sido indeferido por a entidade
empregadora entender que o médico por efeito legal estava abrangido ao regime
das 35 horas basta que se prove que o médico prestou as 42 horas para que se
verifique um dano na esfera jurídica do trabalhador.
Indeferimento da redução de horário e a responsabilidade civil
extracontratual do Estado
Por cada pedido de redução de horário e respetivo
indeferimento constituem um ato jurídico ilícito, já que, cada indeferimento
consubstancia uma decisão contrária ao direito.
Assim, sob o ponto de vista da responsabilidade
civil por ato de Administração, basta que se verifique o nexo de causalidade
entre o ilícito e o dano. Ora, se da aplicação correta do regime levaria a que
o médico trabalhasse no primeiro ano menos uma hora, no segundo ano menos duas
horas e assim sucessivamente, tendo este prestado o horário sem a devida
redução houve um prejuízo patrimonial.
O prejuízo patrimonial deve ser valorado tendo
como referencial o valor hora da remuneração atribuída ao regime de
exclusividade com 42 horas que mais não é do que o correspondente ao valor do
enriquecimento que a entidade empregadora obteve.
No âmbito da responsabilidade civil
extracontratual do Estado a L n.º 67/2007, de 31/12, estabelece a presunção de culpa
leve na prática de atos jurídicos ilícitos. 6
Em suma, sempre
que a Administração Pública vede ao trabalhador um direito consagrado na lei
por uma errada interpretação das normas vigentes fica obrigado a indemnizar desde
que estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual
do Estado.
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1.
Alterações ao DL
n.º 73/90, de 06/03: DL n.º 412/99, de
01/11/90, DL n.º 44/2007, de 23/02. DL n.º 177/2009, de 04/08 - Estabelece o regime da carreira especial médica,
bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e revogou o DL n.º 73/90, de 06/03, com a com exceção dos n.os 5 a 9 e 11 a 14 do artigo 24.º e dos n.os 5 a 16 do
artigo 31.º os quais se mantêm em vigor, na medida em que regulem situações não
previstas no novo regime e até à entrada em vigor do IRC. Decreto-Lei n.º 266-D/2012 de 31 de dezembro
que entrou em vigor a 01/01/2013 revogado com interesse para a questão que se
aborda o artigo 32.º do Dl n.º 177/2009, «Artigo 32.º Norma transitória 1 — Os
médicos transitam para a carreira especial médica nos termos previstos no
artigo 28.º do presente decreto -lei. 2 — Os médicos que não pretendam manter o
respetivo regime de horário de trabalho atualmente em vigor podem requerer ao
presidente do órgão de administração do estabelecimento onde prestem funções,
por escrito, a todo o tempo, com produção automática de efeitos, a transição
para o regime previsto no artigo 20.º do presente decreto -lei. 3 — Caso não
efetuem a opção prevista no número anterior, os médicos mantêm o respetivo
regime de trabalho, remunerações e direitos inerentes, conforme os seguintes
regimes de trabalho: a) 35 horas semanais sem dedicação exclusiva; b) 35 horas
semanais, com dedicação exclusiva; c) 42 horas semanais; d) 35 horas semanais,
sem dedicação exclusiva com disponibilidade permanente; e) 35 horas semanais,
com dedicação exclusiva e disponibilidade permanente.»
2.
Aplicação do art.
24.º e 31.º e 39.º do DL n.º 73/90.
3. Art.
31.º n.º 15 do DL n.º 73/90: «Os médicos com idade superior a 55 anos e que
trabalhem em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos, cinco anos, com
horário de 42 horas por semana, será concedida, se a requererem, redução de uma
hora em cada ano no horário de trabalho semanal, até que o mesmo perfaça as 35
horas semanais, sem perda de regalias.»
4. Art. 9.º do Dl n.º 73/90, que foi revogado pelo
art. 36.º do Dl n.º 177/2009 em vigor a 09/08/2009 e o art. 1.º do Dl n.º 93/2011
que repristinou o art. 9.º, em vigor a 02/08/2011.
5. Art. 31.º n.º 4 do DL n.º 73/90 com a alteração
introduzida pelo DL n.º 412/99, de
15.10.
6. Art. 10.º n.º 2 da L n.º 67/2007, de 31712, o que
permite concluir pela presença de um outro requisito de responsabilidade civil
extracontratual.