terça-feira, 7 de maio de 2024

 Despedimento Coletivo. Trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental. Direito Interno e Direito Comunitário

 

 O regime de parentalidade previsto no Código do Trabalho consagra a proteção legal de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental (doravante refere-se apenas às grávidas) no despedimento coletivo.1

Aborda-se o presente tema – cessação do contrato de trabalho de grávida no âmbito do despedimento coletivo tendo como ponto de partida, - a proibição do despedimento de trabalhadora grávida.2

A pergunta que se segue é a seguinte: a trabalhadora gravida está excluída, sem mais da lista de trabalhadores a despedir em processo de despedimento coletivo?

Adianta-se o sentido de resposta que aqui se defende: - Não.

Passa-se a explicar a razão pela qual se entende que a proteção da mulher gravida não tem natureza absoluta no caso do despedimento coletivo.

O primeiro aspeto a ter em conta quando se discute a razão de ser de um despedimento coletivo é o facto de este, significar uma rutura definitiva do vínculo laboral com dois ou cinco trabalhadores, consoante a dimensão da empresa, 3 e dar particular relevância aos seus pressupostos.

O despedimento coletivo pode consubstanciar no encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores e assenta taxativamente em razões de mercado, estruturais ou tecnológicos, ainda que, a lei permita no que reporta a caraterização desses motivos um elenco exemplificativo.

Ressalta do texto da lei que o despedimento coletivo corresponde a uma resolução do contrato assente em motivos objetivos e nunca subjetivos. 4

Estando em causa um despedimento coletivo, a lei exige que o empregador comunique por escrito à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.

Da comunicação deve constar: os motivos invocados para o despedimento coletivo; o quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa; os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir; o número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas; o período de tempo no decurso do qual se pretende efetuar o despedimento; o método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Na falta da comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores, a comunicação da intenção de proceder ao despedimento coletivo, por escrito, é dirigida a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos.5

O segundo aspeto a ter em consideração na abordagem deste tema é saber se existe alguma regulação específica para o caso particular de mulher grávida 6 e que de certa forma venha trazer algumas particularidades ao despedimento quando comparado com um qualquer trabalhador não abrangido pelo regime da parentalidade.

A lei laboral exige que o despedimento por cessação unilateral do contrato de trabalho por decisão do empregador, 7de trabalhadores protegidos pelo regime da parentalidade seja sujeito a comunicação prévia à CITE que deverá emitir parecer com caráter vinculativo. 8

No caso especifico do despedimento por facto imputável de trabalhador dá-se nota de que, a lei estabelece a presunção de ilicitude do despedimento, ou seja, presume-se a inexistência de justa causa. Dito de outro modo, a presunção estabelecida no n.º 2 do art. 63.º apenas se aplica ao despedimento por razões subjetivas, e por isso se excluem os despedimentos coletivos, despedimentos por extinção de posto de trabalho e o despedimento por inadaptação.

A CITE pode ter uma de duas decisões: parecer favorável ou desfavorável ao empregador. Se o parecer for desfavorável ao despedimento, o empregador só pode concretizar o despedimento depois de decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.9

Aqui chegados, há que reconhecer que a lei laboral não veda em absoluto o despedimento coletivo de mulher grávida, já que, é admissível a concordância da CITE com a decisão de despedimento do empregador.

A possibilidade da CITE emitir parecer favorável ao empregador em sede de despedimento não permite a interpretação de que a presunção – sem justa causa para o despedimento por fato imputável ao trabalhador abrange todas as restantes causas de cessação do contrato de trabalho.10 Não abrange. A presunção só é legalmente aceitável para o despedimento por facto imputável ao trabalhador. 11

No que respeita ao despedimento coletivo de pessoal protegido pelo n.º 1 do art. 63.º do CT/2009, não se pode deixar de evidenciar o sentido dos diversos pareceres da CITE, onde se segue de perto as decisões que privilegiam o princípio da legalidade e o princípio da não discriminação. Como se sabe, cabe à CITE a análise da situação em concreto que lhe é exposta no sentido de encontrar ou não indícios de discriminação no processo de despedimento coletivo, ou seja, certificar-se que o processo assenta em critérios objetivos sem indícios de discriminação em razão do sexo por força da maternidade/parentalidade.

O terceiro aspeto a considerar prende-se com os critérios definidos para a seleção dos trabalhadores a despedir, em que se observa que a lei não estabelecer prioridades no que respeita aos trabalhadores a abranger pelo despedimento coletivo, designadamente no que respeita ao universo de pessoas abrangidas pelo regime da parentalidade. O empregador apenas tem de seguir os critérios previstos no Código do Trabalho dando-se cumprimento ao previsto na Constituição da República Portuguesa.12

É o que se retira dos pareceres da CITE sobre esta matéria. 13

Reconhece-se que a decisão do empregador deve assentar em critérios em que facilmente se observe o nexo entre os motivos invocados para fundamentar o despedimento coletivo e o despedimento de cada trabalhador.

No ano de 2023, a CITE teve oportunidade de emitir Pareceres quer em sentido positivo quer em sentido negativo da decisão de despedimento do empregador.

Em sentido negativo para o empregador por entender não ter elementos suficientes que permitissem «auscultar a posição das trabalhadoras envolvidas, uma vez que foi promovida a fase de informações e negociação, nada nos permite, com razoável segurança, afastar a existência de indícios de discriminação em função do sexo por força da maternidade» concluindo pela oposição à cessação do contrato de trabalho de três trabalhadoras gravida e lactante no âmbito do processo de despedimento o Parecer n.º 989/CITE /2023, de 24/10/2023. 14

Uma breve análise dos vários pareceres emitidos pela CITE, observa-se a uniformização de fundamentos para as decisões favoráveis ou desfavoráveis ao despedimento, ou seja, só há oposição ao despedimento coletivo quando exista a impossibilidade de afastar indícios de discriminação por motivo de maternidade/parentalidade.

Consolidada que está esta matéria no direito interno veja-se da sua conformidade com o Direito Comunitário.

Para o efeito, analisa-se um acórdão do TJUE, 15 com a finalidade de saber – se a legislação nacional está em linha com as diretivas comunitárias.

Em 2018, foi proferida decisão no Processo C-103/16 ( Jessica Porras Guisado/Bankia S.A., Fondo de Garantía Salarial) com particular  interesse  nesta questão.

Neste caso particular estava em causa o despedimento de trabalhadoras grávidas num processo de despedimento coletivo. A sociedade espanhola Bankia S.A. deu início ao processo de despedimento coletivo com a colaboração da comissão que negociou um acordo em que foram estabelecidos os critérios a aplicar para determinar quais os trabalhadores a despedir, e ainda os critérios que estabeleciam as prioridades de manutenção dos postos de trabalho. Em consequência destas negociações foram envias as comunicações com intenção de despedimento às trabalhadoras. Uma das trabalhadoras contestou o seu despedimento pelo facto de estar grávida e o Tribunal do Trabalho, 1.º juízo, de Mataró, Espanha veio a decidir à favor do empregador. Houve recurso para o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha onde foi solicitado ao Tribunal de Justiça da EU que interpretasse: - a proibição de despedimento de trabalhadoras grávidas, prevista na Diretiva 92/85 sobre a segurança e a saúde das trabalhadoras grávidas no contexto de um processo de despedimento coletivo na aceção da Diretiva 98/59 sobre os despedimentos coletivos.

A interpretação dada pelo TJUE foi de que, a Diretiva 92/85 proíbe o despedimento das trabalhadoras durante o período compreendido entre o início da gravidez e o termo da licença de maternidade, só assim não acontece quando o despedimento não está relacionado com a gravidez. Significa dizer, que o Tribunal da EU entende que a Diretiva 92/85 não se opõe ao despedimento de uma trabalhadora grávida em virtude de um despedimento coletivo, se a legislação do Estado – Membro o prever e sob condição – os motivos que justificam o despedimento não estão relacionados com a gravidez.

Deste Acórdão resulta claro que a mulher grávida pode ser objeto de despedimento coletivo desde que, o empregador indique os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir. () O acórdão defendeu que: «as duas diretivas combinadas (Diretiva 98/59, e a Diretiva 92/85) exigem unicamente que o empregador: i) comunique por escrito os motivos não inerentes à pessoa da trabalhadora grávida pelos quais efetua um despedimento coletivo (nomeadamente, motivos económicos, técnicos ou relativos à organização ou à produção da empresa) e ii) indique à trabalhadora em causa os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir». 

Em relação à Diretiva 92/85, o TJUE veio a dizer que este diploma legal «distingue expressamente entre, por um lado, a proteção contra o próprio despedimento, a título preventivo, e, por outro, a proteção contra as consequências do despedimento, a título de reparação. Os Estados-Membros são, pois, obrigados a assegurar essa dupla proteção. A tutela preventiva reveste uma importância específica no âmbito da Diretiva 92/85, tendo em conta o risco que um eventual despedimento implica para a situação física e psíquica das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, incluindo o risco particularmente grave de incitar a trabalhadora grávida a interromper voluntariamente a sua gravidez. A proibição de despedimento que consta da diretiva responde a essa preocupação.»

Importante também foi o TJUE salientar que no âmbito da proteção contra as consequências do despedimento, (proteção a título de reparação) «(…) mesmo quando determine a reintegração da trabalhadora grávida e o pagamento dos salários não recebidos em virtude do despedimento, não pode substituir a proteção a título preventivo. Por conseguinte, os Estados-Membros não se podem limitar a prever unicamente, a título de reparação, a nulidade desse despedimento quando ele não for justificado.»

Quanto à questão da definição legal de prioridades, o mesmo Tribunal veio a afirmar que, «a Diretiva 92/85 não se opõe a uma legislação nacional que, no quadro de um despedimento coletivo, não prevê nem uma prioridade de permanência na empresa nem uma prioridade de reafectação, aplicáveis antes desse despedimento, para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Com efeito, a Diretiva 92/85 não impõe aos Estados-Membros a previsão dessas prioridades. Todavia, uma vez que a diretiva contém apenas normas mínimas, os Estados-Membros podem garantir uma proteção de grau mais elevado às trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes.»

 Face ao exposto, não se acompanha algumas interpretações sobre esta problemática do qual se considera que o acórdão citado «não vai de encontro à atual legislação nacional portuguesa, a qual, embora não preveja uma proibição absoluta do despedimento de trabalhadora grávida, estatui que o despedimento de trabalhadora grávida sempre seja precedido de parecer emitido pela de onde se retira a existência de uma presunção de ilegalidade do despedimento de trabalhadora grávida no âmbito da legislação laboral portuguesa». 16

Em sede de conclusão e salvo melhor opinião, entende-se que o sistema jurídico português não diverge e muito menos se distância do sentido dado as diretivas comunitárias conforme interpretação do TJUE.

A licitude do despedimento coletivo de grávida basta-se pela indicação dos motivos que justificam o despedimento que não comportam qualquer indício de discriminação, sem prejuízo do Parecer prévio da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), com caráter vinculativo. 

 

_______________________

1.      As modalidades de cessação do contrato de trabalho são taxativas e são as seguintes: caducidade; revogação; despedimento por facto imputável ao trabalhador; despedimento coletivo; por extinção de posto de trabalho; por inadaptação; resolução pelo trabalhador e renúncia pelo trabalhador.

2.     A proteção no âmbito do art. 63.º do CT/2009 reporta aos seguintes despedimentos: despedimento por facto imputável ao trabalhador; despedimento coletivo; por extinção de posto de trabalho; e, por inadaptação.

3.      No caso das microempresas ou de pequenas empresas, pelo menos dois trabalhadores e para as médias ou grandes empresas, pelo menos cinco trabalhadores.

4.     Art 359.º e art 360.º do CT/2009.

5.     Art. 360.º n.º 3. al. a) do CT/2009 com a redação da L n.º 13/2023, de 03/04.

6.     Inclui-se a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental nos termos do  art. 63.º n.º 1 do CT/2009

7.    As modalidades de despedimento protegidas pelo regime de parentalidade são as seguintes: despedimento por facto imputável a trabalhador; despedimento coletivo, despedimento por extinção de posto de trabalho, despedimento por inadaptação.

8.     Art. 63.º n.º 1 do CT/2009.

9.    Art. 63.º n.º 6.

10.  . Discorda-se da opinião defendida por alguns advogados no sentido de a presunção – sem justa causa para o despedimento por facto imputável ao trabalhador abranger todas as restantes causas de cessação do contrato de trabalho.

11.  No sentido de que a presunção prevista no n.º 2 do art. 63.º do CT/2009 «aplica-se, apenas, ao despedimento por facto imputável ao trabalhador e não a todas as formas de despedimento a que se refere o número 1» ver Anotação ao artigo63.º, Guilherme Gray, Código do Trabalho, anotado, Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Guilherme Gray entre outros, 11.ª Ed., 2017, Almedina, p. 235.

12.  Art. 53.º da CRP: « É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.»

13.  PARECER N.º 303/CITE/2023, 29 de março «Nesta conformidade, os critérios definidos pelo empregador para selecionar os/as trabalhadores/as objeto de despedimento deverão ser enquadrados nos motivos legalmente previstos, não podendo ocorrer discriminação de qualquer trabalhador/a designadamente, em função do sexo ou, no caso vertente, por motivo de maternidade.» Consultado em https://cite.gov.pt/documents, em 07/03/2024.

14.    Consultado em https://cite.gov.pt/documents, em 07/03/2024.

15.   TJUE - Processo C-103/16 ( Jessica Porras Guisado/Bankia S.A., Fondo de Garantía Salarial com a conclusão que se transcreve:

O artigo 10.o, ponto 1, da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (Décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que permite o despedimento de uma trabalhadora grávida em virtude de um despedimento coletivo na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59/CE, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivo

 O artigo 10.o, ponto 2, da Diretiva 92/85 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que permite a um empregador despedir uma trabalhadora grávida no quadro de um despedimento coletivo sem lhe indicar outros motivos além dos que justificam esse despedimento coletivo, desde que sejam indicados os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir.

 O artigo 10.o, ponto 1, da Diretiva 92/85 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não proíbe, em princípio, o despedimento de uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante a título preventivo, e que prevê unicamente a nulidade desse despedimento quando for ilegal, a título de reparação.

 O artigo 10.o, ponto 1, da Diretiva 92/85 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que, no quadro de um despedimento coletivo, na aceção da Diretiva 98/59, não prevê uma prioridade de permanência na empresa uma prioridade de reafetação aplicáveis antes desse despedimento para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, sem excluir, no entanto, a faculdade de os Estados‑Membros garantirem uma proteção de grau mais elevado às trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Consultado em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt, em 07/05/2024.

16.   Artigo de opinião, Pedro da Quitéria da Faria, Despedimento de trabalhadora grávida no âmbito de um despedimento coletivo, consultado em https://adcecija.pt/despedimento-trabalhadora-gravida-no-ambito-um-despedimento-coletivo , Consultado em 07/05/2024.

 

Texto com Direitos de Autor

Identifique a fonte

 Céu Gonçalves

 


Sem comentários:

Enviar um comentário