Despedimento Coletivo. Trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental. Direito Interno e Direito Comunitário
O regime de parentalidade previsto no Código
do Trabalho consagra a proteção legal de trabalhadora
grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental
(doravante refere-se apenas às grávidas) no despedimento coletivo.1
Aborda-se o presente tema – cessação do
contrato de trabalho de grávida no âmbito do despedimento coletivo tendo como
ponto de partida, - a proibição do despedimento de trabalhadora grávida.2
A pergunta que se segue é a seguinte: a
trabalhadora gravida está excluída, sem mais da lista de trabalhadores a
despedir em processo de despedimento coletivo?
Adianta-se o sentido de resposta que aqui se
defende: - Não.
Passa-se a explicar a razão pela qual se
entende que a proteção da mulher gravida não tem natureza absoluta no caso do
despedimento coletivo.
O primeiro aspeto a ter em conta quando se discute a razão de ser de um
despedimento coletivo é o facto de este, significar uma rutura definitiva do
vínculo laboral com dois ou cinco trabalhadores, consoante a dimensão da
empresa, 3 e
dar particular relevância aos seus pressupostos.
O despedimento coletivo pode
consubstanciar no encerramento de uma ou várias secções ou estrutura
equivalente ou redução do número de trabalhadores e assenta taxativamente em
razões de mercado, estruturais ou tecnológicos, ainda que, a lei permita no que
reporta a caraterização desses motivos um elenco exemplificativo.
Ressalta do texto da lei que
o despedimento coletivo corresponde a uma resolução do contrato assente em
motivos objetivos e nunca subjetivos. 4
Estando em causa um
despedimento coletivo, a lei exige que o empregador comunique por escrito à
comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às
comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.
Da comunicação deve constar:
os motivos invocados para o despedimento coletivo; o quadro de pessoal,
discriminado por sectores organizacionais da empresa; os critérios
para seleção dos trabalhadores a despedir; o número de trabalhadores a despedir
e as categorias profissionais abrangidas; o período de tempo no decurso do qual
se pretende efetuar o despedimento; o
método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a
despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo
366.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Na falta da comissão
intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos
trabalhadores, a comunicação da intenção de proceder ao despedimento coletivo,
por escrito, é dirigida a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos.5
O segundo aspeto a ter em consideração na abordagem deste tema é saber se
existe alguma regulação específica para o caso particular de mulher grávida 6
e que de certa forma venha trazer algumas particularidades ao despedimento
quando comparado com um qualquer trabalhador não abrangido pelo regime da
parentalidade.
A lei laboral exige que o despedimento por cessação unilateral do contrato
de trabalho por decisão do empregador, 7de trabalhadores protegidos
pelo regime da parentalidade seja sujeito a comunicação prévia à CITE que
deverá emitir parecer com caráter vinculativo. 8
No caso especifico do despedimento por facto imputável de trabalhador dá-se nota de que, a lei
estabelece a presunção de ilicitude do despedimento, ou seja, presume-se a
inexistência de justa causa. Dito de outro modo, a presunção estabelecida no
n.º 2 do art. 63.º apenas se aplica ao despedimento por razões subjetivas, e
por isso se excluem os despedimentos coletivos, despedimentos por extinção de
posto de trabalho e o despedimento por inadaptação.
A CITE pode ter uma de duas
decisões: parecer favorável ou desfavorável ao empregador. Se o parecer for
desfavorável ao despedimento, o empregador só pode concretizar o despedimento
depois de decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.9
Aqui chegados, há que reconhecer que a lei
laboral não veda em absoluto o despedimento coletivo de mulher grávida, já que,
é admissível a concordância da CITE com a decisão de despedimento do
empregador.
A possibilidade da CITE emitir parecer
favorável ao empregador em sede de despedimento não permite a interpretação de
que a presunção – sem justa causa para o despedimento por fato imputável ao
trabalhador abrange todas as restantes causas de cessação do contrato de
trabalho.10 Não abrange. A presunção só é legalmente aceitável para
o despedimento por facto imputável ao trabalhador. 11
No que respeita ao despedimento coletivo de
pessoal protegido pelo n.º 1 do art. 63.º do CT/2009, não se pode deixar de
evidenciar o sentido dos diversos pareceres da CITE, onde se segue de perto as
decisões que privilegiam o princípio da legalidade e o princípio da não
discriminação. Como se sabe, cabe à CITE a análise da situação em concreto que
lhe é exposta no sentido de encontrar ou não indícios de discriminação no
processo de despedimento coletivo, ou seja, certificar-se que o processo
assenta em critérios objetivos sem indícios de discriminação em razão do sexo
por força da maternidade/parentalidade.
O terceiro aspeto a considerar prende-se com
os critérios definidos para a seleção dos trabalhadores a despedir, em que se
observa que a lei não estabelecer prioridades no que respeita aos trabalhadores
a abranger pelo despedimento coletivo, designadamente no que respeita ao
universo de pessoas abrangidas pelo regime da parentalidade. O empregador
apenas tem de seguir os critérios previstos no Código do Trabalho dando-se
cumprimento ao previsto na Constituição da República Portuguesa.12
É o que
se retira dos pareceres da CITE sobre esta matéria. 13
Reconhece-se que a decisão do empregador deve
assentar em critérios em que facilmente se observe o nexo entre os motivos
invocados para fundamentar o despedimento coletivo e o despedimento de cada
trabalhador.
No ano de 2023, a CITE teve oportunidade de emitir
Pareceres quer em sentido positivo quer em sentido negativo da decisão de despedimento
do empregador.
Em sentido negativo para o empregador por
entender não ter elementos suficientes que permitissem «auscultar a posição das
trabalhadoras envolvidas, uma vez que foi promovida a fase de informações e
negociação, nada nos permite, com razoável segurança, afastar a existência de
indícios de discriminação em função do sexo por força da maternidade» concluindo
pela oposição à cessação do contrato de trabalho de três trabalhadoras gravida
e lactante no âmbito do processo de despedimento o Parecer n.º 989/CITE /2023,
de 24/10/2023. 14
Uma breve análise dos vários pareceres
emitidos pela CITE, observa-se a uniformização de fundamentos para as decisões
favoráveis ou desfavoráveis ao despedimento, ou seja, só há oposição ao
despedimento coletivo quando exista a impossibilidade de afastar indícios de
discriminação por motivo de maternidade/parentalidade.
Consolidada que está esta matéria no direito
interno veja-se da sua conformidade com o Direito Comunitário.
Para o efeito, analisa-se um acórdão do TJUE, 15
com a finalidade de saber – se a legislação nacional está em linha com as
diretivas comunitárias.
Em 2018, foi proferida decisão no Processo C-103/16 ( Jessica Porras
Guisado/Bankia S.A., Fondo de Garantía Salarial) com particular interesse
nesta questão.
Neste caso particular estava em causa
o despedimento de trabalhadoras grávidas num processo de despedimento coletivo.
A sociedade espanhola Bankia S.A. deu início ao processo de despedimento
coletivo com a colaboração da comissão que negociou um acordo em que foram
estabelecidos os critérios a aplicar para determinar quais os trabalhadores a
despedir, e ainda os critérios que estabeleciam as prioridades de manutenção
dos postos de trabalho. Em consequência destas negociações foram envias as
comunicações com intenção de despedimento às trabalhadoras. Uma das
trabalhadoras contestou o seu despedimento pelo facto de estar grávida e o Tribunal
do Trabalho, 1.º juízo, de Mataró, Espanha veio a decidir à favor do
empregador. Houve recurso para o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha onde
foi solicitado ao Tribunal de Justiça da EU que interpretasse: - a proibição de
despedimento de trabalhadoras grávidas, prevista na Diretiva 92/85 sobre a
segurança e a saúde das trabalhadoras grávidas no contexto de um processo de
despedimento coletivo na aceção da Diretiva 98/59 sobre os despedimentos
coletivos.
A interpretação dada pelo TJUE foi de
que, a Diretiva 92/85 proíbe o despedimento das trabalhadoras
durante o período compreendido entre o início da gravidez e o termo da licença
de maternidade, só assim não acontece quando o despedimento não está
relacionado com a gravidez. Significa dizer, que o Tribunal da EU entende que a
Diretiva 92/85 não se opõe ao despedimento de uma trabalhadora grávida em virtude
de um despedimento coletivo, se a legislação do Estado – Membro o prever e sob
condição – os motivos que justificam o despedimento não estão relacionados com
a gravidez.
Deste Acórdão resulta claro que a
mulher grávida pode ser objeto de despedimento coletivo desde que, o empregador
indique os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir. () O
acórdão defendeu que: «as duas diretivas combinadas (Diretiva 98/59, e a
Diretiva 92/85) exigem unicamente que o empregador: i) comunique por escrito os
motivos não inerentes à pessoa da trabalhadora grávida pelos quais efetua um
despedimento coletivo (nomeadamente, motivos económicos, técnicos ou relativos
à organização ou à produção da empresa) e ii) indique à trabalhadora em causa
os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir».
Em relação à Diretiva 92/85, o TJUE
veio a dizer que este diploma legal «distingue expressamente entre, por um
lado, a proteção contra o próprio despedimento, a título preventivo, e, por
outro, a proteção contra as consequências do despedimento, a título de
reparação. Os Estados-Membros são, pois, obrigados a assegurar essa dupla
proteção. A tutela preventiva reveste uma importância específica no âmbito da
Diretiva 92/85, tendo em conta o risco que um eventual despedimento implica
para a situação física e psíquica das trabalhadoras grávidas, puérperas e
lactantes, incluindo o risco particularmente grave de incitar a trabalhadora
grávida a interromper voluntariamente a sua gravidez. A proibição de
despedimento que consta da diretiva responde a essa preocupação.»
Importante também foi o TJUE
salientar que no âmbito da proteção contra as consequências do despedimento, (proteção
a título de reparação) «(…) mesmo quando determine a reintegração da
trabalhadora grávida e o pagamento dos salários não recebidos em virtude do
despedimento, não pode substituir a proteção a título preventivo. Por
conseguinte, os Estados-Membros não se podem limitar a prever unicamente, a
título de reparação, a nulidade desse despedimento quando ele não for
justificado.»
Quanto à questão da definição legal
de prioridades, o mesmo Tribunal veio a afirmar que, «a Diretiva 92/85 não se
opõe a uma legislação nacional que, no quadro de um despedimento coletivo, não
prevê nem uma prioridade de permanência na empresa nem uma prioridade de
reafectação, aplicáveis antes desse despedimento, para as trabalhadoras
grávidas, puérperas ou lactantes. Com efeito, a Diretiva 92/85 não impõe aos
Estados-Membros a previsão dessas prioridades. Todavia, uma vez que a diretiva
contém apenas normas mínimas, os Estados-Membros podem garantir uma proteção de
grau mais elevado às trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes.»
Em sede de conclusão e salvo melhor opinião, entende-se que o sistema jurídico
português não diverge e muito menos se distância do sentido dado as diretivas comunitárias
conforme interpretação do TJUE.
A licitude do despedimento coletivo de grávida basta-se pela indicação dos
motivos que justificam o despedimento que não comportam qualquer indício de
discriminação, sem prejuízo do Parecer prévio da Comissão para a Igualdade no
Trabalho e no Emprego (CITE), com caráter vinculativo.
_______________________
1. As
modalidades de cessação do contrato de trabalho são taxativas e são as
seguintes: caducidade; revogação; despedimento
por facto imputável ao trabalhador; despedimento
coletivo; por extinção de posto de trabalho; por inadaptação; resolução pelo
trabalhador e renúncia pelo trabalhador.
2. A
proteção no âmbito do art. 63.º do CT/2009 reporta aos seguintes despedimentos:
despedimento por facto imputável ao trabalhador;
despedimento coletivo; por extinção de posto de
trabalho; e, por inadaptação.
3. No caso das microempresas ou de pequenas empresas, pelo menos dois
trabalhadores e para as médias ou grandes empresas, pelo menos cinco
trabalhadores.
4. Art 359.º e art 360.º do CT/2009.
5. Art. 360.º n.º 3. al. a) do CT/2009 com a redação da L n.º
13/2023, de 03/04.
6. Inclui-se a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador
no gozo de licença parental nos termos do art. 63.º n.º 1 do CT/2009
7. As
modalidades de despedimento protegidas pelo regime de parentalidade são as
seguintes: despedimento por facto imputável a
trabalhador; despedimento coletivo, despedimento por extinção de posto de
trabalho, despedimento por inadaptação.
8. Art. 63.º
n.º 1 do CT/2009.
9. Art. 63.º n.º 6.
10. . Discorda-se
da opinião defendida por alguns advogados no sentido de a presunção – sem justa
causa para o despedimento por facto imputável ao trabalhador abranger todas as
restantes causas de cessação do contrato de trabalho.
11. No
sentido de que a presunção prevista no n.º 2 do art. 63.º do CT/2009
«aplica-se, apenas, ao despedimento por facto imputável ao trabalhador e não a
todas as formas de despedimento a que se refere o número 1» ver Anotação ao artigo63.º,
Guilherme Gray, Código do Trabalho, anotado, Pedro Romano Martinez, Luís Miguel
Monteiro, Guilherme Gray entre outros, 11.ª Ed., 2017, Almedina, p. 235.
12. Art.
53.º da CRP: « É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo
proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou
ideológicos.»
13. PARECER
N.º 303/CITE/2023, 29 de março «Nesta conformidade, os critérios definidos pelo
empregador para selecionar os/as trabalhadores/as objeto de despedimento
deverão ser enquadrados nos motivos legalmente previstos, não podendo ocorrer
discriminação de qualquer trabalhador/a designadamente, em função do sexo ou,
no caso vertente, por motivo de maternidade.» Consultado em https://cite.gov.pt/documents,
em 07/03/2024.
14. Consultado em https://cite.gov.pt/documents,
em 07/03/2024.
15. TJUE -
Processo C-103/16 ( Jessica Porras Guisado/Bankia S.A., Fondo de Garantía
Salarial com a conclusão que se transcreve:
O artigo 10.o,
ponto 1, da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de
1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da
segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no
trabalho (Décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da
Diretiva 89/391/CEE), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma
legislação nacional que permite o despedimento de uma trabalhadora grávida em
virtude de um despedimento coletivo na aceção do artigo 1.o, n.o 1,
alínea a), da Diretiva 98/59/CE, de 20 de julho de 1998,
relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos
despedimentos coletivo
16. Artigo de opinião, Pedro da Quitéria da Faria,
Despedimento de
trabalhadora grávida no âmbito de um despedimento coletivo, consultado
em https://adcecija.pt/despedimento-trabalhadora-gravida-no-ambito-um-despedimento-coletivo ,
Consultado em 07/05/2024.
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