MARK ROTHKO, 1969, Sem título
Num ação de investigação de paternidade que correu em, 2009, no Tribunal de Murça, segui recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Nessa ação estava em causa, a alteração do assento de nascimento e o reconhecimento do pai biológico, altura já, cadáver.
Face a situação de fato e a necessidade da realização de testes de ADN, era imprescindível a exumação de cadáver, em que os filhos eram opositores. O Tribunal da Relação do Porto decidiu em sentido contrário, sendo que a ação foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Esta última instância entendeu que «em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobre a "paz social" daquele a quem o mero decurso do tempo poderia assegurar impunidade, em detrimento de interesses dignos da maior proteção, como seja o de um filho poder a todo o tempo investigar a sua paternidade (…).
Assim, o direito ao conhecimento da ascendência biológica, deve ser considerado um direito de personalidade e, como tal, possível de ser exercido em vida do pretenso progenitor e continuado se durante a ação morrer, correndo a Acão contra os seus herdeiros, por se tratar de um direito personalíssimo, imprescritível, do filho investigante».
E acrescenta «A imprescritibilidade das ações de investigação da paternidade justifica-se, pois, pela defesa do interesse legítimo de "procura do vínculo omisso do ascendente biológico, sendo este, um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor».
Nestas condições, o - direito à identidade pessoal, e o - direito à integridade pessoa, ganharam uma dimensão nova que não pode ser desvalorizada. Devemos acrescentar, também, um novo direito fundamental implicado na questão:
- o direito ao desenvolvimento da personalidade, introduzido pela revisão constitucional de 1997;
- um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de ação cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais.
«É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua localização no sistema de parentesco».
Assim, será possível, face a oposição dos familiares do falecido a realização de exame ao ADN, com o recurso à exumação do cadáver do falecido para recolha de tecidos?
De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei nº 411/98, de 30 de Dezembro a exumação «consiste na abertura de sepultura, local de consumpção aeróbia ou caixão de metal onde se encontra inumado o cadáver».
Por sua vez, do art. 21.º, n.º 1 do citado diploma legal resulta que «após a inumação é proibido abrir qualquer sepultura ou local de consumpção aeróbia antes de decorridos três anos, salvo em cumprimento de mandado da autoridade judiciária».
Por outro lado, o art. 1801.º do Código Civil determina que «nas ações relativas à filiação são admitidas como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados».
Do preceito legal citado resulta como evidente que a realização de exames ao sangue, ou seja de exames hematológicos ou cientificamente comprovados, como seja a realização de exames de ADN com a necessária exumação do cadáver do pretenso pai para recolha de tecidos, podem ser realizados para se determinar a filiação biológica.
Contudo, a admissibilidade da realização do exame pericial está dependente do modo como o autor estrutura a ação de investigação da paternidade.
Estando em causa a filiação biológica e a recusa dos descendentes diretos do falecido a submissão de testes de ADN, o tribunal deferiu a realização do exame pericial de exumação para recolha de vestígios de ADN no cadáver do falecido pretenso pai.
O Supremo Tribunal de Justiça, quando está perante o confronte entre direitos em conflito, entende que se deve sacrificar o direito ao respeito que é devido ao cadáver da pessoa humana, em benefício do direito prevalecente à identidade pessoal do investigante.
Assim, foi revogada a decisão da Relação do Porto que considerou legitima a oposição à exumação.
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça concluiu:
1. Nas ações de filiação, sendo a causa de pedir a filiação biológica, os exames de sangue admitidos como meio de prova à luz do art. 1801.º do CC, designadamente os - testes de ADN, são os que com maior fiabilidade próxima da certeza tornam possível estabelecer que determinado indivíduo procede biologicamente de outro.
2. Sendo o pretenso pai já cadáver a realização de tais exames faz-se com recurso à respetiva exumação.
3. Os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular (art. 71.º, n.º 1 do CC), designadamente os interesses próprios afirmados ou potenciados em vida do defunto. Visando-se a proteção das pessoas falecidas contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à respetiva personalidade, física ou moral, que exista em vida e permaneça após a morte.
4. Os direitos referidos em III respeitam aos interesses dessas pessoas em vida e não ao cadáver ou às pessoas a quem a lei atribui legitimidade para os exercer.
5. O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado no art. 26.º, n.º 1, da CRP, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, consagrando-se um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento deste.
6. Na colisão de direitos constitucionalmente protegidos, como os referidos em III e V deve privilegiar-se o direito à identidade pessoal.
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