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segunda-feira, 24 de junho de 2024

 Despedimento. Conceito de justa causa: nexo de “imediação” logica e nexo “cronológico”

O conceito de justa causa está formulado no n.º 1 do art. 351.º do CT, e traduz-se num comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

O artigo apresenta um conjunto de factos que consubstanciam “justa causa” a título meramente exemplificativo, e por isso, outros comportamentos podem constituir “justa causa” de despedimento.

Consta no citado artigo algumas situações que podem configurar “justa causa”, a saber:

- Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

- Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

- Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

- Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

- Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

- Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

- Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

- Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

 - Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

- Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

- Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

- Reduções anormais de produtividade.

A entidade empregadora na apreciação da “justa causa” deve atender as várias circunstâncias que circunscrevem a situação de facto, designadamente, o quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros.

Portanto, o despedimento por iniciativa da entidade empregadora por facto imputável ao trabalhador (culpa do trabalhador) tem sempre subjacente a – justa causa compatibilizando-se com a proibição de despedimentos sem justa causa enquanto garantia do trabalhador – art. 338.º do CT/2009.

Assim sendo, o despedimento por facto imputável ao trabalhador (art. 351.º) impõe que a situação de facto seja subsumível na cláusula geral (n.º 1) sendo esta aferida nos termos do n.º 3.

Dito de outro modo e seguindo-se a doutrina e jurisprudência, a conceito de justa causa exige a presença de quatro requisitos:

- Que exista um comportamento culposo do trabalhador – elemento de natureza subjetiva:

- Impossibilidade de subsistência da relação laboral – elemento de natureza objetiva;

- Nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, deve estar presente um nexo de “imediação” logica conforme expressa a lei - comportamento que torne imediatamente impossível , isto é, um nexo cronológico que demonstre em concreto que a impossibilidade da manutenção do vínculo é imediata sem a possibilidade de se protelar no tempo, sob pena de se perder o efeito prático que se pretende com a norma.

Este último requisito é facilmente percetível com o seguinte exemplo: o (A) praticou determinado facto que colocaria em causa o vínculo laboral mas a entidade empregadora mesmo sabendo dos factos /gravidade decide reagir passados seis meses após o conhecimento dos factos. A inercia da entidade empregadora é contrária a imposição legal que se traduz numa reação imediata, conforme resulta do instituto da caducidade que obriga ao empregador agir nos 60 dias após o conhecimento da infração pelo empregador ou quando a falta de reação superar os 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, (352.º do CT/2009) ou ainda, se não proferir a decisão de despedimento no prazo de 30 dias, após a receção dos parecer prévios exigidos nos termos do n.º 5 do art. 356.º do CT/2009.

Assim, sempre que sejam ultrapassados os prazos previstos na lei, ficando a ideia de ter existido inercia por parte da entidade empregadora em agir disciplinarmente contra o trabalhador em tempo útil, o contrato de trabalho mantem-se e por isso perde-se a “reação imediata” presente no conceito de “justa causa” e por conseguinte não é possível argumentar-se a “existência de crise contratual” para se concluir pela “impossibilidade de manutenção do vínculo laboral”.

Aqui chegados, para o sucesso de um processo disciplinar com vista ao despedimento é de extrema importância conferir a presença de todos os elementos que pressupõem o conceito de “justa causa”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 6 de junho de 2024

 Regime de exclusividade com 42 horas semanais. Carreira especial médica. Pressupostos de atribuição e cessação (Regime previsto no Dl n.º 73/90 atualmente revogado). Responsabilidade civil extracontratual do Estado

 O DL n.º 73/90 de 06/03 1 teve poucas alterações e esteve em vigor durante muitos anos e por isso ainda é com alguma frequência que surgem conflitos judiciais a correr nos Tribunais Administrativos o que justifica a sua abordagem.

Aborda-se o tema numa perspetiva de responsabilidade civil pelo incumprimento das normas referentes à carga horária semanal no caso concreto do regime de dedicação exclusiva com 42 horas semanais e a confusão que se criou com a publicação de dois diplomas legais referentes à carga horária de trabalho semanal na Administração Pública.

 Regime de tempo de trabalho aplicável aos médicos com contratos de trabalho em funções públicas inseridos no SNS

No que respeita à carga horária dos médicos da carreira especial (vinculados à AP por contrato de trabalho em funções públicas) de forma sumária, dir-se-á que a revisão do tempo de trabalho prevista no DL n.º 177/2009 traduziu-se no seguinte: o período normal de trabalho passou a ser de 40 horas semanais; e no que reporta ao regime transitório, os médicos por opção transitavam para as 40 horas semanais ou seja, as modalidades de horários ao abrigo do DL n.º 73/90 mantinham-se em vigor se não existisse intervenção do interessado no sentido de alterar a carga horária praticada. 2

A possibilidade da manutenção de direitos adquiridos no âmbito da dedicação exclusiva com 42 horas incluía a regra da redução da carga horária semanal conforme disposição legal: os médicos com idade superior a 55 anos de idade em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos 5 anos, com 42 horas/s, continuam a poder usufruir, sem perda de regalias da redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho até perfazer às 35 horas semanais. 3

O regime previsto no DL n.º 73/90 identificava duas modalidades de regime de trabalho: o tempo completo a corresponder às 35 horas semanais e a dedicação exclusiva corresponder às 42 horas semanais. Este regime eram exclusivo das carreiras de clínica geral e hospitalar. 4

 A atribuição do regime de dedicação exclusiva dependia de dois pressupostos essenciais:

- Intervenção do trabalhador no sentido de manifestar disponibilidade para prestar atividade em serviço de urgência ou consulta externa pelo período mínimo de cinco anos;

- Comprovado interesse público

A manutenção do exercício profissional em exclusividade com 42 horas implicava a manutenção dos pressupostos que lhe deram origem anteriormente identificados.

Já, a cessação deste regime operava da seguinte forma: 5

- Intervenção da entidade empregadora - deficiente cumprimento das obrigações do médico;

- Intervenção do médico – vontade de fazer cessar aquele regime com aviso prévio de 60 dias, sem prejuízo do compromisso assumido do exercício profissional ser de pelo menos 5 anos.

Do regime assim instituído, dir-se-ia que a entidade empregadora só o podia fazer cessar em duas situações específicas: incumprimento/cumprimento defeituoso das obrigações por parte do médico ou alterações das circunstancias de facto, tal como, o médico deixar de prestar efetivamente funções no serviço de urgência ou nas consultas externas.

Quer isto dizer que, nos casos de mobilidade o médico manteria o direito da exercer o mesmo regime desde que, se tenha mantido a prestação de atividade em serviços de urgência ou consulta externa. O regime da exclusividade com 42 horas assente no principio do interesse público inerente as exigências funcionais do serviço de urgência e da consulta externa.

Assim, qualquer decisão da entidade empregadora em fazer cessar o regime de exclusividade fora dos motivos legalmente previstos consubstancia incumprimento da entidade empregadora.

 

Efeitos da alteração prevista no L n.º 68/2013, de 29/08 e do L n.º 18/2016. Erro interpretativo

A carga horária na Administração Pública foi objeto de duas alterações com a publicação da L n.º 68/2013 e da L n.º 18/2016.

 O primeiro diploma estabelecia a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas com a carga horaria de 40 horas semanais e o segundo veio a consagrar 35 horas semanais, revogando o regime anterior.

A questão que se coloca é saber se estes diplomas têm implicações na carga horária semanal dos médicos. A pergunta tem razão de ser pelo facto de terem existido instituições que entenderam aplicar os diplomas à carreira especial médica.

A resposta é negativa. Este erro interpretativo tem consequências legais de natureza económica. A explicação é simples.

Desde logo, não se deve confundir duas carreiras distintas em que uma reporta a carreira de regime geral e a outra reporta a carreira especial. As normas do regime geral têm caráter subsidiário face ao regime especial, o qul se inclui o regime da carreira médica especial.

Por outro lado, o próprio diploma no seu art. 2.º a dispor, “o disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio». O mesmo se diga do diploma de 2016.

Deste modo, não margem para dúvidas sobre a não aplicabilidade do regime geral à carreira especial médica.

Desta forma, não pode a entidade empregadora pública justificar que as horas efetuadas por um médico para além das 40 horas semanais ou 35 h/s são consideradas trabalho extraordinário e que não tendo sido autorizadas não tem a obrigação de as pagar.

Quer isto dizer, que a entidade empregadora ao não pagar o valor correspondente a exclusividade com 42 horas está a incorrer em incumprimento.

 

Cessação do regime da exclusividade com 42 horas por iniciativa do empregador público

Aqui chegados, coloca-se ainda outra questão, que é de saber se o regime de exclusividade com 42 horas plena pode cessar mesmo que se mantenha os respetivos pressupostos e se a resposta for em sentido negativo quais os direitos dos profissionais.

Como já foi oportuno explicar, a manutenção do regime de exclusividade com 42 horas não cessa enquanto se mantiverem os seus pressupostos não podendo a entidade empregadora deixar de observar os pedidos da redução da carga horária de médico com idade superior a 55 anos.

Assente que o médico em exclusividade com 42 horas tem de prestar 42 horas semanais e ao perfazer os 55 anos de idade pode requerer a redução de uma hora por cada ano de trabalho até chegar as 35 horas semanais, a entidade empregadora entra em incumprimento quando nega esse direito.

O incumprimento da entidade empregadora implica o direito à compensação. O direito à compensação pelo trabalho prestado para além das 35 horas de trabalho semanal. Ou seja, o médico deve receber as diferenças remuneratórias a corresponder ao regime das 42 h/semanais em relação as 35 horas que lhe foram pagas.

De salientar ainda, o direito à redução de uma hora por cada ano de trabalho no regime de exclusividade com 42 horas.

Já se teve a oportunidade de salientar que esta modalidade de horário permitia que o médico com mais 55 anos de idade pudesse reduzir uma hora por cada ano até atingir as 35 horas sem redução da remuneração. Bastava requerer. Tendo o médico direito à redução das horas com referencia as 42 horas semanais e tendo esse direito sido indeferido por a entidade empregadora entender que o médico por efeito legal estava abrangido ao regime das 35 horas basta que se prove que o médico prestou as 42 horas para que se verifique um dano na esfera jurídica do trabalhador.

Indeferimento da redução de horário e a responsabilidade civil extracontratual do Estado

Por cada pedido de redução de horário e respetivo indeferimento constituem um ato jurídico ilícito, já que, cada indeferimento consubstancia uma decisão contrária ao direito.

Assim, sob o ponto de vista da responsabilidade civil por ato de Administração, basta que se verifique o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano. Ora, se da aplicação correta do regime levaria a que o médico trabalhasse no primeiro ano menos uma hora, no segundo ano menos duas horas e assim sucessivamente, tendo este prestado o horário sem a devida redução houve um prejuízo patrimonial.

O prejuízo patrimonial deve ser valorado tendo como referencial o valor hora da remuneração atribuída ao regime de exclusividade com 42 horas que mais não é do que o correspondente ao valor do enriquecimento que a entidade empregadora obteve.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado a L n.º 67/2007, de 31/12, estabelece a presunção de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos. 6

 Em suma, sempre que a Administração Pública vede ao trabalhador um direito consagrado na lei por uma errada interpretação das normas vigentes fica obrigado a indemnizar desde que estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

 

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1.      Alterações ao DL n.º 73/90, de 06/03: DL n.º 412/99, de 01/11/90, DL n.º 44/2007, de 23/02. DL n.º 177/2009, de 04/08 - Estabelece o regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e revogou o DL n.º 73/90, de 06/03, com a com exceção dos n.os 5 a 9 e 11 a 14 do artigo 24.º e dos n.os 5 a 16 do artigo 31.º os quais se mantêm em vigor, na medida em que regulem situações não previstas no novo regime e até à entrada em vigor do IRC. Decreto-Lei n.º 266-D/2012 de 31 de dezembro que entrou em vigor a 01/01/2013 revogado com interesse para a questão que se aborda o artigo 32.º do Dl n.º 177/2009, «Artigo 32.º Norma transitória 1 — Os médicos transitam para a carreira especial médica nos termos previstos no artigo 28.º do presente decreto -lei. 2 — Os médicos que não pretendam manter o respetivo regime de horário de trabalho atualmente em vigor podem requerer ao presidente do órgão de administração do estabelecimento onde prestem funções, por escrito, a todo o tempo, com produção automática de efeitos, a transição para o regime previsto no artigo 20.º do presente decreto -lei. 3 — Caso não efetuem a opção prevista no número anterior, os médicos mantêm o respetivo regime de trabalho, remunerações e direitos inerentes, conforme os seguintes regimes de trabalho: a) 35 horas semanais sem dedicação exclusiva; b) 35 horas semanais, com dedicação exclusiva; c) 42 horas semanais; d) 35 horas semanais, sem dedicação exclusiva com disponibilidade permanente; e) 35 horas semanais, com dedicação exclusiva e disponibilidade permanente.»

2.      Aplicação do art. 24.º e 31.º e 39.º do DL n.º 73/90.

3.       Art. 31.º n.º 15 do DL n.º 73/90: «Os médicos com idade superior a 55 anos e que trabalhem em regime de dedicação exclusiva há, pelo menos, cinco anos, com horário de 42 horas por semana, será concedida, se a requererem, redução de uma hora em cada ano no horário de trabalho semanal, até que o mesmo perfaça as 35 horas semanais, sem perda de regalias.»

4.       Art. 9.º do Dl n.º 73/90, que foi revogado pelo art. 36.º do Dl n.º 177/2009 em vigor a 09/08/2009 e o art. 1.º do Dl n.º 93/2011 que repristinou o art. 9.º, em vigor a 02/08/2011.

5.      Art. 31.º n.º 4 do DL n.º 73/90 com a alteração introduzida pelo DL n.º 412/99, de 15.10.

6.      Art. 10.º n.º 2 da L n.º 67/2007, de 31712, o que permite concluir pela presença de um outro requisito de responsabilidade civil extracontratual. 

 


quarta-feira, 5 de junho de 2024

 

Reclamação de créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial. Prazo de caducidade – suspensão / interrupção

 

A lei determina que a reclamação de créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial deve ser feita no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Com a publicação da L n.º 71/2018, de 31 de dezembro ficou clarificada a questão deste prazo de caducidade ser ou não suscetível de suspensão ou interrupção, na medida em que, foi aditado o n.º 9 ao art. 2.º que se transcreve: «O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.»

Assim, tendo cessado o contrato de trabalho no dia 05/06/2024, inicia-se o prazo de contagem de um ano em 06/06/2024 (n.º1 do art. 2 do DL n.º Dl n.º 59/2015).

 Com a nova redação esse prazo suspende-se no momento do seu início por efeito da apresentação pela entidade empregadora de um requerimento de processo especial de revitalização / o processo de insolvência e reclamação dos créditos pelo trabalhador. A suspensão do prazo mantem-se até 30 dias após trânsito em julgado da decisão de insolvência.

A suspensão ou interrupção do prazo de caducidade para reclamação de créditos laborais não foi tão linear antes da entrada em vigor da L n.º 71/2018 tendo sido, aliás, objeto de algumas decisões judiciais dando-se nota da decisão do STA a fixar jurisprudência face a divergência entre duas decisões judiciais em que considerou que o prazo para reclamar os créditos laborais ao FGS era suscetível de suspensão ou interrupção.

O STJ defendeu ainda que qualquer interpretação contrária seria inconstitucional.

Para o efeito, invocou o sentido que foi dado ao n.º 9 do art. 2.º do citado diploma legal. 

O Acórdão recorrido, defendeu «que era de aplicar ao caso dos autos o prazo de caducidade de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS, contando-se o mesmo da data da entrada em vigor daquele diploma legal (ou seja, 04.05.2015).» Concluindo pela intempestividade do pedido, por considerar que o prazo para a sua apresentação tinha caducado. () O tribunal seguiu, entre outros, o Ac. STA de 03/10/2019, proc. N.º 01015/16.2BEPNF.

O Acórdão fundamento proferiu decisão no sentido de «mesmo aplicando-se ao caso o prazo de caducidade de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessara o contrato de trabalho (prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS), cabia, face à decisão do TC (acórdão n.º 328/2018) que julgara aquela norma inconstitucional, promover a sua aplicação segundo uma interpretação conforme à constituição, o que resultava na “aplicação ao caso por via interpretativa integradora” da solução entretanto introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro. De acordo com esta solução, o prazo de caducidade do direito tinha de considerar-se suspenso desde a propositura da “acção de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações”. E assim concluiu pela «tempestividade do pedido formulado pelo Requerente em 25.08.2016 (apesar de o contrato de trabalho ter cessado em 20.12.2013) e pela obrigação de o FGS apreciar o pedido.»

Em conclusão, diz-se que todas as situações anteriores à entrada em vigor do n.º 9 do art. 2.º do RFGS, o tempo de um ano para a reclamação dos créditos laboral suspendiam imediatamente na data do início da contagem do prazo, ou seja, no dia imediatamente a seguir à data da cessação do contrato de trabalho.

Na verdade, o afirmado no acórdão fundamento, teve entretanto consagração legal expressa pela alteração legislativa do NRFGS, aprovada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro.

Jurisprudência:

Ac. STA de 26/10/23, proc n.º 621/17.2BEPNF-A

O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, é susceptível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.

 

Ac. STA de 03/11/2022, PROC N.º 01315/17.4BEPRT

 As “decisões interpretativas de inconstitucionalidade”, repetidamente formulados pelo TC, da norma do nº 8 do art. 2º do DL nº 59/2015, de 21/4, «na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão», não impõem a extirpação daquela norma (com a consequente repristinação do regime pretérito – constante do revogado “Regulamento do Código de Trabalho”), mas apenas a admissibilidade de adequadas causas de suspensão/interrupção na aplicação daquele prazo de um ano, estabelecido na referida norma, para reclamação ao “Fundo de Garantia Salarial” de créditos emergentes de contratos de trabalho.

 Assim, tendo o Autor, no caso dos autos, visto cessar o seu contrato de trabalho em 1/10/2015 (em plena vigência, pois, do DL nº 59/2015), era-lhe aplicável o prazo de um ano, a contar dessa data, para requerer ao “FGS” créditos emergentes do contrato de trabalho, nos termos estabelecidos no nº 8 do art. 2º daquele diploma legal.

 Tendo o Autor apresentado requerimento ao “FGS” em 18/1/2017, fê-lo tempestivamente, pois que, embora ultrapassando o prazo de um ano (concretamente, 1 ano, 3 meses e 17 dias), deve descontar-se o período de 162 dias (cerca de 5 meses e meio) que mediou entre a instauração do processo de insolvência do empregador (em 31/5/2016) e 30 dias após a respetiva sentença declaratória (10/11/2016).

 Efetivamente, o pedido de declaração de insolvência do empregador deve ser considerado causa de suspensão do prazo (de um ano) legalmente estabelecido para reclamação ao “FGS” dos créditos, até à respetiva declaração de insolvência, como consequência direta daqueles juízos de inconstitucionalidade formuladas pelo TC, ainda que o legislador somente através da Lei nº 71/2018, de 31/12, viesse a estabelecer tal causa de suspensão em obediência a essas decisões de inconstitucionalidade.

 

Ac. STA de 03/10/2019, proc n.º 01015/16.2BEPNF 0534/18

 Com o regime do «FGS» instituído em 2015 pelo DL n.º 59/2015, manteve-se o prazo de prescrição de créditos que se encontra inserto no art. 337.º do Código de Trabalho [CT], passando o referido Fundo, em caso, nomeadamente, de insolvência do empregador, a assegurar o pagamento aos trabalhadores dos créditos emergentes de contrato de trabalho quando o pagamento lhe vier a ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho [arts. 01.º e 02.º, n.º 8, daquele novo regime.


Instituiu-se, assim, um prazo de reclamação cujo termo final se apresenta como diverso do regime até aí vigente e que constava do n.º 3 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004, dado que neste preceito se disciplinava que os créditos poderiam ser reclamados até três meses antes da respetiva prescrição e, como tal, estávamos em face de prazo «basculante» visto o respetivo termo final «oscilava» ou «pendulava» em função das intercorrências sofridas ou havidas no cômputo do prazo de prescrição.

Visto o regime normativo transitório definido no art. 03.º do DL n.º 59/2015 na sua concatenação com o demais regime legal vigente, nomeadamente o n.º 8 do art. 02.º do novo regime do «FGS» e o art. 337.º do CT, não foi propósito do legislador o de instituir ex novo e de modo generalizado um prazo de admissão de requerimentos de trabalhadores contendo pedidos de reclamação de pagamento de créditos junto do «FGS» e que este viesse ou passasse a responder, enquanto garante e com tal amplitude, independentemente ou abstraindo-nos da necessidade de aferição do decurso ou não dos prazos [prescricional ou de caducidade] e/ou com total abstração de situações constituídas.

 Quando a lei nova [«LN»] vem encurtar um prazo a ponto de, por força da entrada em vigor daquela lei, o mesmo poder ficar automaticamente prescrito ou caduco impõe-se que a contagem do novo prazo seja efetuada a partir do início de vigência da «LN» com a ressalva da parte final do n.º 1 do art. 297.º do Código Civil.

Viola o princípio da confiança ínsito no art. 02.º da CRP um entendimento que, em aplicação do quadro normativo referido em I., aceita como conforme à nossa ordem jurídica que, em aplicação da «LN» que modifica regra relativa a prazo, um trabalhador possa, por caducidade, perder o direito ao pagamento dos créditos salariais antes mesmo da entrada em vigor dessa lei e da própria data de apresentação do requerimento ou de esta mesma ser possível à luz daquela lei.

 

Ac. TC n.º  792/2022, de 17/11/22,

 Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, por violação da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.

 

 

 


quarta-feira, 8 de maio de 2024

 Renúncia a dias de férias. Faltas injustificadas. Sistema automático de assiduidade. Ausência de Regulamento Interno. Subtração da remuneração. CT/2009

 

O direito a férias é um direito irrenunciável e insuscetível de ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador. A irrenunciabilidade do direito a férias não é um direito absoluto, na medida em que, a lei admite a renúncia parcial ao direito a férias desde que fiquem intocáveis pelo menos 20 dias para o gozo efetivo de férias ou no caso, por exemplo, do ano de admissão, 1 os dias de renúncia são calculados em termos proporcionais. 2

Posto isto, identifica-se as duas situações em que as férias podem ser renunciadas:

- Substituir dias de faltas não remuneradas por dias de férias desde que no ano civil goze pelo menos 20 dias de férias, ou a correspondente proporção no caso de férias no ano de admissão.

- Por prestação de trabalho em acréscimo ao período normal, dentro dos limites previstos no artigo 204.º 3

Falaremos da exceção do princípio da irrenunciabilidade do direito a férias assente na conversão de dias de faltas não remuneradas (Justificadas e injustificadas) por dias de férias com particular relevância no caso das faltas injustificadas que resultam da violação do dever de pontualidade.

A renúncia não tem qualquer implicação a remuneração. O trabalhador aufere a retribuição pelos dias de férias não gozados, subsídio e a retribuição do trabalho prestado nesses dias.4 

A lei admite que o trabalhador que falte ao trabalho e que não pretenda perder a retribuição dos dias de falta possa converter esses dias de ausência em dias de férias.

Faz-se aqui uma pequena observação no que reporta a necessidade ou não de autorização por parte do empregador. A lei utiliza a expressão “ mediante declaração expressa do trabalhador” o que significa que, cabe ao trabalhador a iniciativa de informar da vontade de renunciar aos dias de férias. Apesar de ser bastante frequente o entendimento por parte do empregador no sentido de que se trata de um pedido formulado pelo trabalhador sujeito a autorização deste é conveniente frisar que se trata de uma interpretação errada da redação original do CT/2009. Hoje, com a nova redação, não há margem para dúvida. O empregador não pode opor-se a declaração de vontade para efeitos da substituição da perda de retribuição por motivo de falta, ou seja, não carece de autorização, e incorre em contraordenação grave caso negue a pretensão do trabalhador.5

 

Entende-se que a conversão de dias de faltas justificadas em dias de férias é um processo linear, ou seja, não se traduz em problemas para a esfera jurídica do trabalhador. O mesmo não pode dizer-se quando se trate de faltas injustificadas resultantes da violação do dever de pontualidade cujo registo é efetuado por sistema automático.

No concerne ao regime de faltas e com interesse para o tema, sempre que o trabalhador se ausente por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta, ou seja, obtém-se um dia de falta pelo somatório do tempo de ausência pelos diversos dias em que o trabalhador estaria obrigado a estar no seu posto de trabalho. O dia de falta corresponde ao período normal diário de trabalho. 6

O incumprimento do horário de trabalho implica duas consequências:

- Subtração da remuneração dos dias em falta;

- Responsabilidade disciplinar no caso da não justificação da ausência

No que concerne à responsabilidade disciplinar e sem abordar os vários elementos do tipo que preenchem os pressupostos da responsabilidade disciplinar dir-se-á que viola o dever de pontualidade o trabalhador que não observe o horário acordado com o empregador. O trabalhador comparece ao local de trabalho ainda que não observe a hora de início e /ou termo da jornada diária de trabalho.

Como bem reflete a definição de falta de pontualidade a questão está diretamente relacionada com a noção de “tempo de trabalho”,7 período normal de trabalho, 8 horário de trabalho 9 e o registo de tempos de trabalho em locais acessíveis para que permita a sua consulta imediata10 exigindo a lei ao empregador a manutenção desses registos pelo período de cinco anos, onde se destaca a declaração de substituição de dias de faltas não remuneradas por dias de férias. 11

Há que reconhecer a associação do dever de pontualidade a existência de horários e mapas de horários de trabalho.

Por isso, o registo automático de assiduidade não dispensa a empresa do cumprimento das exigências impostas na lei ou IRC.

Afirma-se que, o controlo da assiduidade e pontualidade automático sem estar sustentado por um Regulamento Interno, não é por si só, suficiente para que se conclua que se está perante uma realidade devidamente regulada nos termos da lei e que qualquer irregularidade na pontualidade seja qualificada como injustificada e em consequência de isso ser o trabalhador privado da respetiva remuneração.

Defende-se que o somatório das ausências ao trabalho por período inferior à jornada de trabalho em diversos dias permitido contabilizar em dias para efeitos de falta injustificada em resultado de operações aritméticas do qual resultam “tempos negativos” sem a indicação clara dos dias em que se verificaram os atrasos em termos comparativos com o horário acordado e devidamente publicitado não permitem que se qualifique a ausência como injustificada e como tal não é suscetível de retirar a remuneração afeta as ausências contabilizadas por sistema automático. Não se deve perder de vista que o sistema automático de assiduidade é um sistema meramente instrumental impondo-se a necessidade de outras provas que levem a quem tem competência em matéria disciplinar qualifica as ausências como injustificadas. 

Do exposto, resulta claro que o trabalhador nestas circunstâncias não pode ver a sua remuneração subtraída por lhe terem qualificado as ausências como faltas injustificadas e por isso nem sequer tem que emitir declaração de substituição de dias férias por faltas.

1.       Outros exemplos: contratos de duração inferiores a seis meses; no ano da cessação do impedimento prolongado respeitante ao trabalhador.

2.       Art. 237.º n.º 3 articulado com o n.º 5 do art. 238.º do CT/2009.

3.       Art. 204.º do CT/2009: até quatro horas e a duração do trabalho semanal pode atingir sessenta horas e que não pode exceder cinquenta horas em média num período de dois meses quando o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o permita.

4.       Art. 238º n.º 5 do CT/2009.

 

5.       Art. 257.º n.º 3 e 4 do CT/2009, com a redação prevista na L n.º 13/2023, 03/04.

6.       Art. 248.º n.º 2 articulado com o n.º 1 do art. 203.º do CT/2009.

7.       Art. 197.º - Tempo de trabalho  

8.        Art. 198.º - Período normal de trabalho

9.       Art. 200.º - Horário de trabalho

10.    Art. 216.º do CT/2009

11.    Art. 202.º n.º 4.

 

 

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Céu Gonçalves

 

 

 

 

 

 

 

 


terça-feira, 7 de maio de 2024

 Despedimento Coletivo. Trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental. Direito Interno e Direito Comunitário

 

 O regime de parentalidade previsto no Código do Trabalho consagra a proteção legal de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental (doravante refere-se apenas às grávidas) no despedimento coletivo.1

Aborda-se o presente tema – cessação do contrato de trabalho de grávida no âmbito do despedimento coletivo tendo como ponto de partida, - a proibição do despedimento de trabalhadora grávida.2

A pergunta que se segue é a seguinte: a trabalhadora gravida está excluída, sem mais da lista de trabalhadores a despedir em processo de despedimento coletivo?

Adianta-se o sentido de resposta que aqui se defende: - Não.

Passa-se a explicar a razão pela qual se entende que a proteção da mulher gravida não tem natureza absoluta no caso do despedimento coletivo.

O primeiro aspeto a ter em conta quando se discute a razão de ser de um despedimento coletivo é o facto de este, significar uma rutura definitiva do vínculo laboral com dois ou cinco trabalhadores, consoante a dimensão da empresa, 3 e dar particular relevância aos seus pressupostos.

O despedimento coletivo pode consubstanciar no encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores e assenta taxativamente em razões de mercado, estruturais ou tecnológicos, ainda que, a lei permita no que reporta a caraterização desses motivos um elenco exemplificativo.

Ressalta do texto da lei que o despedimento coletivo corresponde a uma resolução do contrato assente em motivos objetivos e nunca subjetivos. 4

Estando em causa um despedimento coletivo, a lei exige que o empregador comunique por escrito à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.

Da comunicação deve constar: os motivos invocados para o despedimento coletivo; o quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa; os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir; o número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas; o período de tempo no decurso do qual se pretende efetuar o despedimento; o método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Na falta da comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores, a comunicação da intenção de proceder ao despedimento coletivo, por escrito, é dirigida a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos.5

O segundo aspeto a ter em consideração na abordagem deste tema é saber se existe alguma regulação específica para o caso particular de mulher grávida 6 e que de certa forma venha trazer algumas particularidades ao despedimento quando comparado com um qualquer trabalhador não abrangido pelo regime da parentalidade.

A lei laboral exige que o despedimento por cessação unilateral do contrato de trabalho por decisão do empregador, 7de trabalhadores protegidos pelo regime da parentalidade seja sujeito a comunicação prévia à CITE que deverá emitir parecer com caráter vinculativo. 8

No caso especifico do despedimento por facto imputável de trabalhador dá-se nota de que, a lei estabelece a presunção de ilicitude do despedimento, ou seja, presume-se a inexistência de justa causa. Dito de outro modo, a presunção estabelecida no n.º 2 do art. 63.º apenas se aplica ao despedimento por razões subjetivas, e por isso se excluem os despedimentos coletivos, despedimentos por extinção de posto de trabalho e o despedimento por inadaptação.

A CITE pode ter uma de duas decisões: parecer favorável ou desfavorável ao empregador. Se o parecer for desfavorável ao despedimento, o empregador só pode concretizar o despedimento depois de decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.9

Aqui chegados, há que reconhecer que a lei laboral não veda em absoluto o despedimento coletivo de mulher grávida, já que, é admissível a concordância da CITE com a decisão de despedimento do empregador.

A possibilidade da CITE emitir parecer favorável ao empregador em sede de despedimento não permite a interpretação de que a presunção – sem justa causa para o despedimento por fato imputável ao trabalhador abrange todas as restantes causas de cessação do contrato de trabalho.10 Não abrange. A presunção só é legalmente aceitável para o despedimento por facto imputável ao trabalhador. 11

No que respeita ao despedimento coletivo de pessoal protegido pelo n.º 1 do art. 63.º do CT/2009, não se pode deixar de evidenciar o sentido dos diversos pareceres da CITE, onde se segue de perto as decisões que privilegiam o princípio da legalidade e o princípio da não discriminação. Como se sabe, cabe à CITE a análise da situação em concreto que lhe é exposta no sentido de encontrar ou não indícios de discriminação no processo de despedimento coletivo, ou seja, certificar-se que o processo assenta em critérios objetivos sem indícios de discriminação em razão do sexo por força da maternidade/parentalidade.

O terceiro aspeto a considerar prende-se com os critérios definidos para a seleção dos trabalhadores a despedir, em que se observa que a lei não estabelecer prioridades no que respeita aos trabalhadores a abranger pelo despedimento coletivo, designadamente no que respeita ao universo de pessoas abrangidas pelo regime da parentalidade. O empregador apenas tem de seguir os critérios previstos no Código do Trabalho dando-se cumprimento ao previsto na Constituição da República Portuguesa.12

É o que se retira dos pareceres da CITE sobre esta matéria. 13

Reconhece-se que a decisão do empregador deve assentar em critérios em que facilmente se observe o nexo entre os motivos invocados para fundamentar o despedimento coletivo e o despedimento de cada trabalhador.

No ano de 2023, a CITE teve oportunidade de emitir Pareceres quer em sentido positivo quer em sentido negativo da decisão de despedimento do empregador.

Em sentido negativo para o empregador por entender não ter elementos suficientes que permitissem «auscultar a posição das trabalhadoras envolvidas, uma vez que foi promovida a fase de informações e negociação, nada nos permite, com razoável segurança, afastar a existência de indícios de discriminação em função do sexo por força da maternidade» concluindo pela oposição à cessação do contrato de trabalho de três trabalhadoras gravida e lactante no âmbito do processo de despedimento o Parecer n.º 989/CITE /2023, de 24/10/2023. 14

Uma breve análise dos vários pareceres emitidos pela CITE, observa-se a uniformização de fundamentos para as decisões favoráveis ou desfavoráveis ao despedimento, ou seja, só há oposição ao despedimento coletivo quando exista a impossibilidade de afastar indícios de discriminação por motivo de maternidade/parentalidade.

Consolidada que está esta matéria no direito interno veja-se da sua conformidade com o Direito Comunitário.

Para o efeito, analisa-se um acórdão do TJUE, 15 com a finalidade de saber – se a legislação nacional está em linha com as diretivas comunitárias.

Em 2018, foi proferida decisão no Processo C-103/16 ( Jessica Porras Guisado/Bankia S.A., Fondo de Garantía Salarial) com particular  interesse  nesta questão.

Neste caso particular estava em causa o despedimento de trabalhadoras grávidas num processo de despedimento coletivo. A sociedade espanhola Bankia S.A. deu início ao processo de despedimento coletivo com a colaboração da comissão que negociou um acordo em que foram estabelecidos os critérios a aplicar para determinar quais os trabalhadores a despedir, e ainda os critérios que estabeleciam as prioridades de manutenção dos postos de trabalho. Em consequência destas negociações foram envias as comunicações com intenção de despedimento às trabalhadoras. Uma das trabalhadoras contestou o seu despedimento pelo facto de estar grávida e o Tribunal do Trabalho, 1.º juízo, de Mataró, Espanha veio a decidir à favor do empregador. Houve recurso para o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha onde foi solicitado ao Tribunal de Justiça da EU que interpretasse: - a proibição de despedimento de trabalhadoras grávidas, prevista na Diretiva 92/85 sobre a segurança e a saúde das trabalhadoras grávidas no contexto de um processo de despedimento coletivo na aceção da Diretiva 98/59 sobre os despedimentos coletivos.

A interpretação dada pelo TJUE foi de que, a Diretiva 92/85 proíbe o despedimento das trabalhadoras durante o período compreendido entre o início da gravidez e o termo da licença de maternidade, só assim não acontece quando o despedimento não está relacionado com a gravidez. Significa dizer, que o Tribunal da EU entende que a Diretiva 92/85 não se opõe ao despedimento de uma trabalhadora grávida em virtude de um despedimento coletivo, se a legislação do Estado – Membro o prever e sob condição – os motivos que justificam o despedimento não estão relacionados com a gravidez.

Deste Acórdão resulta claro que a mulher grávida pode ser objeto de despedimento coletivo desde que, o empregador indique os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir. () O acórdão defendeu que: «as duas diretivas combinadas (Diretiva 98/59, e a Diretiva 92/85) exigem unicamente que o empregador: i) comunique por escrito os motivos não inerentes à pessoa da trabalhadora grávida pelos quais efetua um despedimento coletivo (nomeadamente, motivos económicos, técnicos ou relativos à organização ou à produção da empresa) e ii) indique à trabalhadora em causa os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir». 

Em relação à Diretiva 92/85, o TJUE veio a dizer que este diploma legal «distingue expressamente entre, por um lado, a proteção contra o próprio despedimento, a título preventivo, e, por outro, a proteção contra as consequências do despedimento, a título de reparação. Os Estados-Membros são, pois, obrigados a assegurar essa dupla proteção. A tutela preventiva reveste uma importância específica no âmbito da Diretiva 92/85, tendo em conta o risco que um eventual despedimento implica para a situação física e psíquica das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, incluindo o risco particularmente grave de incitar a trabalhadora grávida a interromper voluntariamente a sua gravidez. A proibição de despedimento que consta da diretiva responde a essa preocupação.»

Importante também foi o TJUE salientar que no âmbito da proteção contra as consequências do despedimento, (proteção a título de reparação) «(…) mesmo quando determine a reintegração da trabalhadora grávida e o pagamento dos salários não recebidos em virtude do despedimento, não pode substituir a proteção a título preventivo. Por conseguinte, os Estados-Membros não se podem limitar a prever unicamente, a título de reparação, a nulidade desse despedimento quando ele não for justificado.»

Quanto à questão da definição legal de prioridades, o mesmo Tribunal veio a afirmar que, «a Diretiva 92/85 não se opõe a uma legislação nacional que, no quadro de um despedimento coletivo, não prevê nem uma prioridade de permanência na empresa nem uma prioridade de reafectação, aplicáveis antes desse despedimento, para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Com efeito, a Diretiva 92/85 não impõe aos Estados-Membros a previsão dessas prioridades. Todavia, uma vez que a diretiva contém apenas normas mínimas, os Estados-Membros podem garantir uma proteção de grau mais elevado às trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes.»

 Face ao exposto, não se acompanha algumas interpretações sobre esta problemática do qual se considera que o acórdão citado «não vai de encontro à atual legislação nacional portuguesa, a qual, embora não preveja uma proibição absoluta do despedimento de trabalhadora grávida, estatui que o despedimento de trabalhadora grávida sempre seja precedido de parecer emitido pela de onde se retira a existência de uma presunção de ilegalidade do despedimento de trabalhadora grávida no âmbito da legislação laboral portuguesa». 16

Em sede de conclusão e salvo melhor opinião, entende-se que o sistema jurídico português não diverge e muito menos se distância do sentido dado as diretivas comunitárias conforme interpretação do TJUE.

A licitude do despedimento coletivo de grávida basta-se pela indicação dos motivos que justificam o despedimento que não comportam qualquer indício de discriminação, sem prejuízo do Parecer prévio da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), com caráter vinculativo. 

 

_______________________

1.      As modalidades de cessação do contrato de trabalho são taxativas e são as seguintes: caducidade; revogação; despedimento por facto imputável ao trabalhador; despedimento coletivo; por extinção de posto de trabalho; por inadaptação; resolução pelo trabalhador e renúncia pelo trabalhador.

2.     A proteção no âmbito do art. 63.º do CT/2009 reporta aos seguintes despedimentos: despedimento por facto imputável ao trabalhador; despedimento coletivo; por extinção de posto de trabalho; e, por inadaptação.

3.      No caso das microempresas ou de pequenas empresas, pelo menos dois trabalhadores e para as médias ou grandes empresas, pelo menos cinco trabalhadores.

4.     Art 359.º e art 360.º do CT/2009.

5.     Art. 360.º n.º 3. al. a) do CT/2009 com a redação da L n.º 13/2023, de 03/04.

6.     Inclui-se a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental nos termos do  art. 63.º n.º 1 do CT/2009

7.    As modalidades de despedimento protegidas pelo regime de parentalidade são as seguintes: despedimento por facto imputável a trabalhador; despedimento coletivo, despedimento por extinção de posto de trabalho, despedimento por inadaptação.

8.     Art. 63.º n.º 1 do CT/2009.

9.    Art. 63.º n.º 6.

10.  . Discorda-se da opinião defendida por alguns advogados no sentido de a presunção – sem justa causa para o despedimento por facto imputável ao trabalhador abranger todas as restantes causas de cessação do contrato de trabalho.

11.  No sentido de que a presunção prevista no n.º 2 do art. 63.º do CT/2009 «aplica-se, apenas, ao despedimento por facto imputável ao trabalhador e não a todas as formas de despedimento a que se refere o número 1» ver Anotação ao artigo63.º, Guilherme Gray, Código do Trabalho, anotado, Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Guilherme Gray entre outros, 11.ª Ed., 2017, Almedina, p. 235.

12.  Art. 53.º da CRP: « É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.»

13.  PARECER N.º 303/CITE/2023, 29 de março «Nesta conformidade, os critérios definidos pelo empregador para selecionar os/as trabalhadores/as objeto de despedimento deverão ser enquadrados nos motivos legalmente previstos, não podendo ocorrer discriminação de qualquer trabalhador/a designadamente, em função do sexo ou, no caso vertente, por motivo de maternidade.» Consultado em https://cite.gov.pt/documents, em 07/03/2024.

14.    Consultado em https://cite.gov.pt/documents, em 07/03/2024.

15.   TJUE - Processo C-103/16 ( Jessica Porras Guisado/Bankia S.A., Fondo de Garantía Salarial com a conclusão que se transcreve:

O artigo 10.o, ponto 1, da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (Décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que permite o despedimento de uma trabalhadora grávida em virtude de um despedimento coletivo na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59/CE, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivo

 O artigo 10.o, ponto 2, da Diretiva 92/85 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que permite a um empregador despedir uma trabalhadora grávida no quadro de um despedimento coletivo sem lhe indicar outros motivos além dos que justificam esse despedimento coletivo, desde que sejam indicados os critérios objetivos para designar os trabalhadores a despedir.

 O artigo 10.o, ponto 1, da Diretiva 92/85 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não proíbe, em princípio, o despedimento de uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante a título preventivo, e que prevê unicamente a nulidade desse despedimento quando for ilegal, a título de reparação.

 O artigo 10.o, ponto 1, da Diretiva 92/85 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que, no quadro de um despedimento coletivo, na aceção da Diretiva 98/59, não prevê uma prioridade de permanência na empresa uma prioridade de reafetação aplicáveis antes desse despedimento para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, sem excluir, no entanto, a faculdade de os Estados‑Membros garantirem uma proteção de grau mais elevado às trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Consultado em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt, em 07/05/2024.

16.   Artigo de opinião, Pedro da Quitéria da Faria, Despedimento de trabalhadora grávida no âmbito de um despedimento coletivo, consultado em https://adcecija.pt/despedimento-trabalhadora-gravida-no-ambito-um-despedimento-coletivo , Consultado em 07/05/2024.

 

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