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terça-feira, 13 de agosto de 2013

A emigração - uma leitura de 1971





Almada Negreiros, Retirada da net

"Para compreender a forma atual da personalidade dos portugueses seria preciso considerar certo número de dados que, em geral, estão fora do angulo de observação dos investigadores e da matéria popularizada pelos divulgadores. Têm-se considerado as efemérides (guerra, dinastias, navegações, etc.), o direito, a economia, as classes sociais, etc., mas há outros fatores, a meu ver decisivos, que não têm tido lugar nos ficheiros com que os historiadores trabalham.
Por exemplo a emigração.
Nunca se fez um estudo proporcionado à sua importância. E mesmo quando os historiadores se lhe referem, é dentro de um ponto de vista sobretudo demográfico e económico: em que medida efectou elas a nossa economia, que capital monetário trouxe, que capital humano levou, etc. A meu ver, os historiadores não têm considerado o cerne profundamente humano do problema.
Como se sabe, a emigração é uma constante na nossa História desde do século XVI, pelo menos.
(…)
Desde logo se põe o problema de saber a causa deste fenómeno secular. Portugal não é certamente mais “pobre” que a Holanda em recursos naturais. Todavia, os naturais dos países seguiram dois caminhos completamente diferentes para resolver o seu problema económico; uns, criando capital, inclusivamente terra, dentro do seu próprio espaço; outros, abandonando-o para tentar aventura ou o golpe que os devolvesse ricos à aldeia de origem. Nem se pode invocar aqui o argumento das chuvas mais ou menos regulares, que tornam a agricultura uma indústria mais ou menos aleatória, porque o outro grande foco irradiador de emigração na Europa, além de Portuga-Galiza, é a Irlanda, que se encontra ao norte, e onde não faltam chuvas.
Por isso não me parece evidente que as condições económicas só por si expliquem a emigração portuguesa. Poderia sustentar-se a hipótese contrária: não é a nossa pobreza que explica a nossa emigração, mas a nossa emigração que explica a nossa pobreza. As Áfricas, as Índias, os Brasis levaram-nos a adiar o problema do fenómeno interno da indústria e da agricultura. Quando o segundo império, o Brasil, seguiu-se a emigração para o território estrangeiro, e ao mesmo tempo a monarquia liberal e a República lançavam-se na criação e consolidação do terceiro império em África. E hoje estamos vendo como a Europa industrializada se tornou a terra da promissão para gente pobre de Portugal.
(…)
Lisboa foi um dos principais centros de comércio mundial; e, mesmo depois da independência do Brasil, os portugueses que para lá partiam tentavam a aventura do comércio, e quando voltavam, como “brasileiros ricos” eram senhores de capital. Como se explica que tal quantidade de capitais se tenha escoado sem frutificar? Como e porquê não foi ela investida, de forma que se veja, na agricultura, na indústria, e no comércio internacional? Tudo passou como a areia que volta ao mar. Porquê?
Com isto quero dizer que as consequências económicas da emigração não são talvez um problema tão simplesmente económico como parece".
(…)
Parte do texto retirado, Vida Mundial, 21 de maio de 1971, “Cronicas de António Saraiva”



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